Carlos Lúcio Gontijo (*)
Durante a nossa existência terrestre, vamos abandonando hábitos e gostos, como que a aliviar a bagagem e, ao final, ficar apenas com o indispensável. Na adolescência eu me punha a pensar de como poderia viver, se acaso tivesse que abandonar o futebol. Pois bem, assim que meu corpo parou de obedecer à agilidade do meu raciocínio, eu deixei os campos e as quadras, guardando na memória um monte de belas jogadas.
Na vida profissional de jornalista, escrevi por muitos anos artigos semanais no “Diário de Minas” e no DIÁRIO DA TARDE, impondo-me uma tarefa da qual imaginei jamais me afastar. Porém, um ano antes de me aposentar já me impus o fim do costume, escrevendo apenas os editoriais da página de opinião. Claro que não foi decisão de fácil materialização, mas como no caso do futebol a missão me trazia enorme cansaço e eu tinha que me conceder tempo livre para pensar e trabalhar meus livros, que no decorrer de muitos anos foram escritos no período de férias – numa exaustiva labuta dia, noite e madrugada adentro.
Quando o indelével DIÁRIO DA TARDE, um jornal fundado no dia 14 de fevereiro de 1931, encerrou suas atividades em 2007, eu me retirei da grande redação jornalística e me debrucei no cuidado de meu site colocado no ar em 2005 e na produção de meus livros, que hoje somam 25, com duas segundas edições e uma coletânea contendo os quatro primeiros lançamentos.
Digo 25 obras porque dois livros estão prontos e em fase de ilustração e diagramação, para ser impressos em comemoração aos meus 70 anos, sob o designer gráfico do cartunista Júlio César Campos, meu jovem e competente parceiro. Intimamente, preparo-me para abandonar o cenário das dispendiosas edições em papel ou ficar apenas com a impressão de livros de poesia menos volumosos.
Pode-se dizer então que o livro “Jenipapo no ponto”, que será lançado em conjunto com a obra “Menos olhos, menos chuva” e “Grãos de loucura” (poesia e novela), tem tudo para ser o meu último romance e, se assim se der, posso afirmar que energias benfazejas que governam a humanidade me conduziram a um desfecho sublime e glorioso, pois o livro tem como tema básico a vida de minha mãe – dentro de uma narrativa literária recheada de adereços e muitas pinceladas de ficção, homenageando aquela mulher que foi a primeira pessoa (neste vasto e pequeno mundo) a estender a mão ao dom da arte da palavra escrita com o qual nasci.
Desde o dia em que encontrou os meus primeiros poeminhas de criança debaixo do colchão da cama em que eu dormia, minha mãe Betty passou a me proteger e apoiar. Depois, quando lancei meus dois primeiros livros (no ano de 1977), ela se colocou ao meu lado, ajudando-me a vender livros de porta em porta. Assim, se o livro “Jenipapo no ponto” for mesmo o meu último romance, eu posso concluir que o acaso premiou a minha carreira de escriba menor com majestoso desfecho.
Por muitas vezes ouvi o meu saudoso amigo advogado José Magela do Couto, ganhando ou perdendo demandas junto aos tribunais, repetir “combati o bom combate”, então em idêntico feitio eu fiz da poesia, da literatura e do jornalismo a minha batalha renhida, mas me ponho agora na torcida para que surjam outros persistentes combatentes de estirpe idealista, cônscios de que, como escrevi no romance “Jardim de corpos”: Temos o dever de fazer render os talentos e os dons que Deus nos concedeu. Não os podemos deixar ociosos ou desperdiçá-los em vão.
Dizia minha mãe que todos nós devemos saber a hora de ir para casa. E eu não tenho sequer do que reclamar, pois poderei continuar me expressando (e em contato com o público) por intermédio de meu site, evitando a aventura cada vez mais arriscada e onerosa da produção de livros, em decorrência de minha condição de autor aposentado pela previdência pública e, portanto, perseguido em dose dupla pelo governo: tanto por ser “velho”, quanto pela ousadia da lida na área cultural.
(*) Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
Postado em 8 de maio de 2020