Carlos Lúcio Gontijo
Brigar por espaço é fácil. Difícil é abrir o compasso da conquista para abrigar o sonho de outras pessoas. (Do romance “Jardim de corpos” – CLG)
As descobertas nos rejuvenescem. A poesia é a única realidade de que dispomos: Fernando Pessoa nos torna gente – e ser gente é o princípio de tudo. O dom é o sopro de Deus que nos abraça, não um produto de nossa opção. Ninguém amanhece poeta de repente. Como nos diz o escritor argentino Ernesto Sábato, mesmo vivendo em penúria econômica: “Se alguém se considera artista, a arte é sagrada. Não se deve fazer disso um negócio”.
Mais que antes, hoje sabemos que escrever é abrir caminhos. As palavras não devem ser grafadas com o espírito de aprisionamento, porque os que escrevem almejam, em verdade, que a sua fala saia do papel e voe para o coração de seus leitores, despertando-os. As palavras escritas com sinceridade e compromisso permanecem soltas, a ponto de corrermos o risco de abrir o livro e elas não estarem mais lá, como se tivessem, feito as andorinhas, ido buscar algum verão distante.
Uma das razões do fracasso do socialismo foi a proibição do sonho individual, pessoal, fazendo com que somente as vontades do Estado e do ideário socialista encontrassem ambiente e apoio para ser semeadas. Dessa forma, ao impedir os sonhos, o socialismo inibiu a criatividade, a liberdade e o senso humanitário. Pode-se dizer, então, que o sonho é o circo do capitalismo, pois, apesar das dificuldades econômicas, do agravamento da fome, mortalidade infantil e desemprego, a televisão se mantém ligada nas favelas e guetos, onde a música e a festa não deixam morrer o desejo de comunhão que ornamenta a busca de todas as pessoas.
Enquanto nossa cultura brinca de mundialização e os valores são medidos em número de vendagem, capaz de promover banalidades aos píncaros da fama e da glória, não nos alertamos para o fato de que a virulência do mercado está destruindo as culturas indefesas, que são bombardeadas pela ridicularização cerrada (e proposital) de seus costumes sociais e morais mais caros e essenciais, inclusive a depreciação da própria língua pátria.
Gandhi deixou-nos em sua filosofia, que o tempo cuidou de transformar em moldura de dimensões exatas para que nela encaixássemos a sociedade moderna, a seguinte assertiva: “A terra é suficiente para as necessidades básicas de todos, mas não para atender à cobiça dos homens”. Os problemas por que passa a humanidade exigem que trabalhemos, imediatamente, na formação de pessoas mais solidárias, no sentido de descortinarem que sua felicidade necessita do contentamento de outros indivíduos e, também, de uma coexistência saudável com o bem comum cósmico, dos animais, das plantas, das águas e do ar.
Essa visão, aparentemente espiritual e imaterial, é – na realidade – um mecanismo fundamental para a construção de uma comunidade mundial menos desigual, em que o progresso seja mais equilibrado e que não use como combustível o ceifar de vidas humanas, criando exagerada injustiça na relação entre o capital e o trabalho e, depois, convocando a força policial a fim de conseguir a manutenção desta pseudo-ordem comunitária, erguida sobre os pilares de extremada injustiça social.
Talvez, só consigamos erigir algum projeto mais eficaz no combate às mazelas e anomalias político-sociais quando, ao invés de medirmos as distâncias em quilômetros, passarmos a nos atentar para o fato de que o que nos separa de um ponto e outro é a nossa maneira de caminhar, assim como as barreiras do preconceito e das fronteiras são demarcadas tão-somente pelo nosso jeito de olhar. Em síntese, Deus imaginou um sol que nasceria para todos, mas alguns seres humanos “inventaram” a força do privilégio e tomaram em suas mãos a distribuição da claridade.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista.
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