Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

Carlos Lúcio Gontijo

19 de fevereiro de 2009

Muitas vezes, no Brasil, a gente sente que não tem mesmo com quem contar. Ainda agora, quando preparo a edição de dois novos livros, observo que tudo continua difícil e quase intransponível no meio cultural. Se tomarmos como verdadeira a sentença de Rui Barbosa que nos diz que “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, temos diante de nós um Poder Judiciário que, além de moroso e lento, contribui decisivamente para a clara percepção de impunidade e consequente eclosão do ovo da serpente da violência generalizada, prejudicando a disseminação do indispensável amor ao próximo apregoado por Jesus Cristo.

Não é mais possível aceitar a tese de que, apesar do péssimo serviço final prestado à população, existam bons homens públicos que, inocentes e involuntariamente, se veem obrigados a estar tão próximos do produto malcheiroso (e correndo a céu aberto) apresentado pelo Poder Legislativo, ao qual o Poder Executivo tem que afagar com mil e uma benesses em nome da governabilidade. É impossível admitir-se a existência de detentores de mandato popular incapazes de se exporem e, deixando de lado o corporativismo, nomear os pares que maculam os trabalhos políticos.

Nada mais intolerável que solicitar à população ou aos meios de comunicação a citação de nomes, quando o próprio produto da classe política denigre a imagem do Congresso e coloca em xeque a sua cara e perdulária existência, uma vez que o Poder Executivo se vê cada vez mais tangido a lançar mão do instrumento da medida provisória, porque não pode esperar, indefinidamente, pelo germinar de idéias e votação de leis oriundas de um núcleo parlamentar que se engalfinha para, ao final do entrevero, eleger lideranças ultrapassadas; velhas e articuladas raposas banhadas no mais obscuro fisiologismo, mas que, descaradamente, ousam se nos apresentar como baluartes do clamor do povo por mudança e renovação.

Voltando a outra assertiva/aforismo de Rui Barbosa, temos que “povo cuja fé se petrificou, é um povo cuja liberdade se perdeu”. A realidade é que assistimos hoje ao avanço de uma sociedade brasileira que cresce economicamente na informalidade, efetivando o desejo político, ideológico e psicológico de se distanciar do mundo burocrático, cartorial e tributário alicerçado por um governo onde a classe política se vê como uma espécie de poder exponencial e concedente da democracia. Ou seja, o regime democrático tem, segundo a opinião dos nobres parlamentares (vereadores também), no Poder Legislativo a razão maior de sua manutenção, esquecendo-se eles de que democracia sem povo é sempre sinônimo de ditadura, pois a unção das urnas não legitima comportamento e atos administrativos totalitários.

A Campanha da Fraternidade lançada pela Igreja Católica este ano tem como título “Fraternidade e Segurança Pública”, sob o lema “A Paz é fruto da Justiça”. A iniciativa vem em momento oportuno, pois evolui o discernimento de que o Estado é agente propagador de violência a partir da lição cotidiana de que uma vida não vale nada: é cidadão morrendo sem atendimento médico na porta de hospitais públicos; é criança e jovem sem lar, sem escola nem oportunidade de trabalho; é a adoção de métodos que retiram elevadas porcentagens dos parcos ganhos percebidos pelos aposentados e pensionistas; é a guerra civil branca encharcando de sangue as ruas do País; é a clara opção dos meios de comunicação pela exaltação ao supérfluo, imoral e desprovido de valor cultural (depois indagam sobre o porquê de tantas crianças e adolescentes grávidas).

Num ambiente assim conflituoso, no qual não há lugar para a prática cristã e humana do fraterno amor ao próximo, todas as relações sociais são progressivamente corroídas e comprometidas. Vejam, por exemplo, o caso do equilíbrio de forças entre o capital e o trabalho. Como explicar que, logo de início, sem qualquer análise mais profunda sobre a crise econômica mundial originária da ganância de gestores financeiros norte-americanos, os trabalhadores brasileiros se deparassem, imediatamente, com o fantasma do desemprego. Foi bastante desalentador vislumbrar tantas lideranças empresariais desejosas em se utilizarem da crise econômica para precarizar (o eufemismo é flexibilizar) as relações de trabalho, a começar pela diminuição de salários, em conformidade com as necessidades do patrão.

Confesso-lhes que não deu para entender tal postura, pois os salários da classe trabalhadora brasileira são reconhecidamente baixos, com raríssimas exceções. Recente pesquisa com aparentes e supostos moradores de rua na Gávea, no Rio de Janeiro, revelou-nos um dado avassalador: mais da metade dos que ali dormiam sob as marquises possuem carteira assinada e família, à qual visitam apenas nos fins de semana, pois não recebem o suficiente para ir em casa e voltar para o trabalho todos os dias. Então, caro leitor, deixo-lhe uma pergunta: onde estão a honestidade e a fraternidade? E, na certeza do silêncio da falta de resposta, recorro a uma oração contrita: Bom é louvar-vos, Senhor, nosso Deus, que nos abrigais à sombra de vossas asas, defendeis e protegeis a todos nós, vossa família, como uma mãe, que cuida e guarda seus filhos. Nesse tempo em que nos chamais à conversão, à esmola, ao jejum, à oração e à penitência, pedimos perdão pela violência e pelo ódio que geram medo e insegurança. Senhor, que a vossa graça venha até nós e transforme nosso coração. Abençoai a vossa Igreja e o vosso povo, para que a Campanha da Fraternidade seja um forte instrumento de conversão. Sejam criadas as condições necessárias para que todos vivamos em segurança, na paz e na justiça que desejais. Amém.

Postado em 31/01/2009

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