Carlos Lúcio Gontijo
Não são os fatos políticos que se repetem, mas sim os movimentos e fenômenos sociais, que, apesar da desinformação e miséria da grande maioria dos brasileiros, possuem a força latente de modificar situações, através da crescente insatisfação, logo percebida pelas oligarquias e senhores do capital.
O crescimento até aqui da candidatura Collor de Melo tem sua explicação na inércia administrativa e comprometimento moral do Congresso, assembléias e câmaras, que caíram no descrédito da gente brasileira, sofrida e demasiado faminta para suportar tamanha demonstração de insensibilidade e desapreço às atividades político-representativas. Incapacidade, incompetência e irresponsabilidade se misturam em perfeita simbiose, a ponto de não se salvar político algum, aos olhos do “povão”, diante de tão poucas e raras exceções.
Collor, além de beneficiado pela ferrugem da imoralidade que corroeu a estrutura da máquina política em todos os seus escalões, pôde contar com o distanciamento tanto de sua carreira política quanto de seu governo – lá nas Alagoas -, com relação aos Estados do Sul do país. Temos poucas informações do meteoro Collor. Talvez, até mesmo os políticos oportunistas, aqueles que temem ficar fora do poder, desconhecem a verdadeira face do candidato a que resolveram apoiar (dentre eles, lamentavelmente, a vice-governadora de Minas Gerais), discretamente a princípio, mas agora até tomados de certo euforismo, como quem acompanhasse o cristalino desejo do povo – o que não é realidade.
Na verdade, o que se constata é que o povo segue Collor como quem se embevece com a passagem de um cometa. Ele é o repentino, o novo, o desconhecido. Sabe-se a origem e os defeitos dos demais candidatos, antigos militantes políticos, enquanto que Collor é o menino prodígio, carinha bonita, caçador de marajás. Pena que o aventureiro “menino-caçador” já fora alvejado pelas elites do poder, que sempre tiveram o cuidado de observar, para depois utilizarem-se, logicamente a seu favor, da inocência dos humildes, que sobrevivem à custa de renitente esperança, apesar de alijados de direitos fundamentais, como educação, saúde, emprego, salário digno e moradia.
Na base do “não contavam com minha astúcia”, “eu tenho a força”, o novo herói, salvador da pátria, vai ocupando espaços, apoiado pelo povo afinado com sua promessa de moralização da coisa pública e, cautelosa e furtivamente pelas elites, que se cansaram de esperar pela decolagem de uma candidatura de centro e preferem o discurso neoliberalista de Collor a uma esquerdização radical, que tanto temiam. Enquanto isso, antigos políticos se sentem atropelados e os partidos de esquerda vão desorientando-se. Fala-se até em “dossiê Collor”, que, se apresentado, deverá cercar-se de muito cuidado, pois não será surpresa alguma, diante da conjuntura que se formou, se o mesmo reverter-se favoravelmente ao atacado, então, em postura de perseguido e difamado, exatamente por ser um autêntico e temido caçador de marajás.
Mas, afinal, o que de fato nos interessa é que a aquarela dos “colloridos” está aí, com seu candidato, em sábia jogada de marketing, usando a tática de pouco aparecer, ser evasivo, neoliberal, pregar moralidade e deixar a magia do incógnito fazer-se real através das urnas. De onde surgirá (se confirmada as últimas pesquisas do Ibope, que lhe dão 43% da preferência do eleitorado, contra apenas 11% do segundo colocado, Leonel Brizola) onipotente como um ditador, acima dos partidos, apartidário e supra-partidário a um só tempo, porque sequer poderia dizer-se que fora eleito por partido. Ou será que alguém, com um mínimo de inteligência, consideraria esse PRN uma organização partidária? Nem embrião parece ser.
Pois bem, Collor, então eleito, sem sustentação partidária no Congresso, terá que fazer coligações com deuses e diabos (certamente mais com os diabos), para depois cercar-se de forças “ocultas”, repetindo, talvez, um outro candidato, tão “caçador” quanto ele, que, em 1960, foi eleito por uma sigla, também de aluguel, denominada PTN…
Não merecemos dependurar mais esse “quadros” nas paredes de nossa história. Sinceramente, por Deus, não merecemos!
Artigo publicado no jornal DIÁRIO DE MINAS, página 4, em 27 de junho de 1989.