Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

AS CANÇÕES DE NOSSOS PAIS

                                                    Carlos Lúcio Gontijo

 

Mais que nunca as pessoas não precisam ser do ramo, detentoras de predicado ou dom, para o exercício de qualquer atividade, pois com a democratização do ensino (ainda sem a devida inserção da qualidade) temos cursos, escolas e faculdades por todos os cantos e recantos do Brasil, nos quais se pode agora, segundo permitem orientações oficiais do Ministério da Educação e Cultura (MEC), ensinar como se correto fosse o uso errôneo da língua portuguesa. Nem mesmo a literatura escapou dos novos tempos, uma vez que muita coisa que antes iria parar na lata de lixo – como um dia me enfatizou o indelével poeta Bueno de Rivera, mineiro de Santo Antônio do Monte – termina agora em blogs e até em edições limitadas, custeadas pelo próprio escriba, nas chamadas gráficas rápidas.

Os processos de maturação foram eliminados diante do imediatismo apregoado sob a forma de que o que vale é hedonismo e a completa despreocupação com o próximo e com as gerações futuras. Ou seja, se não nos preocupamos com as pessoas que nos rodeiam, como podemos pensar nos seres humanos que virão depois de nós? Até mesmo as beatificações promovidas pela Igreja Católica não escaparam do abreviamento do tempo, pois nem os candidatos à santificação podem esperar: se o milagre é para ser louvado, que seja logo!

A filosofia do imediatismo jogou o setor artístico no poço sem fundo do produto cultural descartável, por intermédio do qual uma vasta gama de autores realiza o sonho de se nos apresentar como escritores, poetas, compositores. Todavia, a procura desenfreada pelo sucesso (e a fama) sem o insubstituível lastro da qualidade nos levará à formação de acervos artísticos desprovidos de consistência e, portanto, sem possibilidade alguma de vencer o passar dos anos, fazendo parte da história e da memória popular ou mesmo acadêmica no futuro.

Infelizmente, em panorama assim perverso (e adverso), onde se misturam alhos com bugalhos, não há como realizar a salutar separação do joio do trigo, uma vez que a “lei do levar vantagem em tudo” impera entre nós de maneira avassaladora. A desfaçatez começa com nossos representantes congressuais, onde a parte que se diz boa e íntegra aceita o convívio passivo com a banda podre, exigindo que os críticos não generalizem e deem nome aos bois, quando na verdade são eles mesmos os responsáveis por providenciar tanto o expurgo dos maus políticos quanto o fim do corporativismo, que protege desmandos e ações corruptas.

“A vida é amiga da arte”, canta-nos um verso de Caetano Veloso, colocando a criação intelectual como reflexo proveniente da sociedade em que é gerada, onde a produção artística pode muitas vezes ser corroída pela ferrugem social, principalmente quando, voltada para o imediatismo, opta por descortinar apenas o que é palatável aos ouvidos do momento, fugindo do trabalho literário ou artístico de contestação capaz de conduzir à reflexão mental, atitude hoje considerada uma chatice contrária à necessidade de lazer desconectado de tudo que se refira ao racional ou à realidade, o que deságua facilmente na busca de “viagem” alucinógena.

Enfim, o que percebemos é que não vivemos mais como nossos pais, que não conheceram os produtos descartáveis que abarrotam as prateleiras de todo o comércio e, depois, enchem os caminhões de lixo. Lembramo-nos das roupas e sapatos que passavam de irmão para irmão; do coador de pano reutilizável, em que se depurava o café quente, e dos eletrodomésticos que eram feitos para durar anos a fio. Contudo, diante da decantada era da informatização tecnológica, ainda ouvimos e lemos, com pouquíssimas e honrosas variações, os mesmos bons livros, as mesmas músicas… E trazemos em nós a certeza de que não podemos aprimorar ou melhorar nossa condição humana e emocional sem o calor do berço de um lar bem constituído e o conforto de alguma poesia verdadeira.

 

Carlos Lúcio Gontijo

Poeta, escritor e jornalista.

www.carlosluciogontijo.jor.br