Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                          Carlos Lúcio Gontijo               

            Por intermédio da professora Norma Gontijo, chegou-me às mãos a cópia de um manuscrito do professor Miguel Eugênio de Campos, que nasceu em Pitangui, município de Minas Gerais, no dia 27 de abril de 1860. Era mestre do estado e, sob o objetivo de ficar próximo da filha Maria, que era casada com Camilo Nogueira Guimarães, pediu transferência para Santo Antônio do Monte, cidade na qual fincou residência no ano de 1909, realizando uma prodigiosa e significativa obra nas áreas da educação e da cultura.

       Àquela época deu aulas de teatro e de música, dando condições de o município contar com atores para a encenação de peças e músicos para a formação de bandas. A centenária banda Lira Monsenhor Otaviano, por exemplo, é fruto do idealismo de Miguel Eugênio de Campos, responsável pela coleta de dados e elaboração de importante livro escrito a mão, contendo a história da origem do município santo-antoniense, conduzido tão-somente por nobre sentimento e senso coletivo, próprio daqueles que se revestem da prática do verdadeiro amor ao próximo, chegando ao ponto de ter extrema consideração pela geração que jamais almejara conhecer, mas que ainda assim elegeu como meta apontar-lhe algum norte, alguma contribuição para a formação de uma coletividade consciente de sua história – um fator essencial à sua identidade como pessoa e como cidadão.

       Era do meu conhecimento o trabalho do exemplar intelectual Miguel Eugênio de Campos, porém diante da cópia de seu manuscrito, grafado com o próprio punho, vi-me tomado de forte emoção: comecei a lê-lo às 22 horas de uma terça-feira e às 5:30h de quarta-feira terminei a proveitosa leitura, que me fez ainda mais cônscio de que, em nosso tempo, são poucos os homens com tanto amor pela sociedade, pela coletividade.

       O comum nos dias de hoje é a mentalidade de voo de galinha. Gente que só sabe voar do chão para o poleiro e do poleiro para o chão. Tem a mente voltada para o próprio umbigo e a visão jamais ultrapassa os limites de seu quintal. O projeto corriqueiro é a acumulação de bens materiais em torno de si mesmo e que se danem as demais pessoas!

       Indubitavelmente, estamos envolvidos numa forte crise hedonista, na qual todos querem cuidar de si mesmos a qualquer custo, pouco se importando se a exacerbada busca de nababesco bem-estar exigirá a supressão de benefícios, a fome e a morte de camadas mais pobres, que não têm com quem contar e, dessa forma, necessitam de maior apoio e amparo dos programas governamentais.

       São figuras como o professor Miguel Eugênio de Campos que nos ensinam o real significado da existência humana. Nenhum de nós registrará a sua passagem pela dimensão terrestre dentro do âmbito da individualidade, pois quem a si mesmo serve, a ninguém serve. A luta política a que assistimos pelo poder tem nos levado a um acirramento desmedido das questões que dizem respeito à intolerância, ao racismo e ao preconceito de toda ordem e aspectos desumanos.

       A enorme e cabal preocupação do professor Miguel Eugênio de Campos em reunir dados da história de Santo Antônio do Monte nos remete ao momento que ora experimentamos no Brasil, onde há grupos sociais reivindicando o reino das trevas como se ostentassem algum dom ou magia de enxergar na escuridão, como bem canta Lupicínio Rodrigues, em “Esses moços”: Se eles julgam que a um lindo futuro/ Só o amor nesta vida conduz/ Saibam que deixam o céu por ser escuro/ E vão ao inferno à procura de luz.

       Estamos assim, vivendo o nosso inferno astral Brasil afora. Não temos homens públicos com a envergadura do idealismo e compromisso social de um Miguel Eugênio de Campos. Ao contrário, a cultura do famigerado levar vantagem em tudo conduziu-nos à esdrúxula constatação de que muitos cidadãos andam elegendo, com toda pompa, orgulho e circunstância, o seu bandido preferido, como se no transcorrer de uma luta com propósitos edificantes não importassem as armas e os aliados à sua volta. Ou seja, o que interessa é a elevação ao pódio dos escusos e inconfessáveis interesses particulares, num retorno abominável da filosofia semeada em tempos de autoritarismo e quebra de direitos fundamentais: às favas com os escrúpulos!

       Carlos Lúcio Gontijo

       Poeta, escritor e jornalista

      www.carlosluciogontijo.jor.br

      29 de junho de 2016.