Minhas células estão inseparavelmente grudadas à celulose das páginas de meus livros e, também, nos artigos e editoriais que publiquei em conceituados jornais. Costumo afirmar que o chão do meu minifúndio literário foi conquistado sob o fogo cruzado, em verso e prosa, na batalha diária contra a ignorância.
O descaso dos governantes em relação à cultura e à educação sempre existiu, umas vezes mais, outras vezes menos, mas a presença do desleixo é constante. Advêm dessa aversão ao segmento cultural, as constantes ameaças de o poder político cair nas mãos dos Hitler, dos Mussolini e dos Bolsonaro mundo afora; figuras radicais e com visão social deturpada, que se aproveitam exatamente do vácuo criado pela falta de boa escolaridade, leitura e acesso a um leque de informação guiado exclusivamente pela realidade dos fatos e não pelas versões pautadas no interesse escuso de grupos em luta socioeconômica e política.
É preocupante assistir ao assédio de legiões de fanáticos e fundamentalistas de toda a espécie agindo contra o avanço do processo civilizatório, no firme propósito de nos impor infausto retorno à obscuridade e à barbárie. Tais movimentos nos remetem à necessidade de alertar que a razão desprovida de ternura faz a vida fria e as pessoas rígidas, mecânicas, incapazes de sonhar e apostar no futuro.
Observamos que, no desalinho do radicalismo político que se alastrou Brasil adentro feito erva daninha em lavoura malcuidada, muita gente criou um sem-número de inimizades e, inocentemente, está agora a indagar o porquê de tantos afastamentos. Porém, o que esperava a pessoa colher ao apoiar racismo, homofobia, tortura e violência? Ou seja, definitivamente, ela não perdeu amizade por causa de política!
Creio com todas as forças do meu coração que no centro de tudo está a questão cultural, que bem estruturada, democratizada e levada a todos os cantos da nação brasileira ergueria uma inexpugnável barreira à livre circulação da mentira, sob a qual se assenta a programação administrativa de muitos políticos, determinados a fazer da discórdia social uma ferramenta favorável à retirada de direitos e garantias da população, aproximando as relações de capital e trabalho aos cruéis tempos de escravidão.
Na condição de escritor, jornalista e cidadão responsável, ainda mantenho contato com a minha primeira professora até os dias de hoje. Tenho consciência plena do desmedido valor dos professores que passaram pela minha vida estudantil, semeando tanto conhecimento, quanto moldando o meu caráter de ser humano.
Nada acontece ou surge de repente. Tudo tem um princípio, um puxar inicial da meada. Se um governante queima livros, pode ter absoluta certeza que ele passará a queimar gente. Infelizmente, os livros não despertam o voo da freguesia da gente brasileira. Pode-se garantir que, apesar da violência generalizada, o transporte de livros é a única carga que não corre risco de roubo ao circular pelas estradas brasileiras.
No mês de abril deste ano de 2023, comemorarei meus 71 anos promovendo uma pequena repaginação no meu site (no ar desde 5 de junho de 2005), com inserção do inédito titulo “100 TEMPO”, meu 26º e derradeiro livro, que será lançado no ano que vem (2024), então festejando meus 72 anos, 47 anos de carreira poético-literária e 45 do meu casamento com Nina, minha companheira e cúmplice na batalha por edição de livros.
Foi nas trincheiras da produção de livros que aprendi que quem não torce pelo sucesso do outro, é também incapaz de elogiar e, quando o faz, é sempre com o freio de mão puxado. Em resumo, diante de todos os entraves que me conduziram à publicação independente de 26 livros (com duas segundas edições, uma Coletânea e a participação em dez Antologias), extraio a conclusão de que deve existir um “anjo da guarda dos livros”, pois jamais desfrutei de ocasião propícia para o lançamento de quaisquer dos meus livros – e milagrosamente eles estão por aí: nas bibliotecas públicas, nas escolas, nos acervos particulares, nos sebos, gotejando minhas palavras e ideias, como se fossem um pote levemente trincado durante os confrontos pela sobrevivência da cultura, da arte, da educação; mas acima de tudo, VIVOS!
(*) Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
23 de abril de 2023.