Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                                         (*) Carlos Lúcio Gontijo

 

       Quando um governo opta por praticamente extinguir as políticas públicas destinadas à população mais pobre e desfavorecida de um país tão socialmente desigual como o Brasil, estendendo suas ações maléficas às entidades e instituições de regulação das relações trabalhistas, articulando para a diminuição da massa salarial e agindo pela precarização do pagamento de aposentadorias e pensões, além de encaminhar o fim do Sistema Único de Saúde (SUS), por intermédio de frequentes cortes de recursos, como se a população tivesse meios financeiros para arcar com a assistência médica privada, o que assistimos como resultado imediato é a um punhado de gente na fila do osso nos açougues ou recolhendo restos de comida no lixo exposto próximo aos supermercados e, ainda pior, indígenas jogados à própria sorte como se deu com os ianomâmis em Roraima, mantidos sob a mira da arma dos garimpeiros ilegais, desmatamento e contaminação por mercúrio da água dos rios que banham suas terras.

       Podemos relacionar, ainda, os constantes ataques do governo Bolsonaro a todo segmento cultural, apresentando à nação a sua face avessa à ciência, às artes, aos livros, às universidades e à educação de maneira geral, cuidando explicitamente de menosprezar e ridicularizar pesquisadores, professores, autores, artistas e produtores de cultura, como se a meta fosse (e era) jogar o Brasil na obscuridade e na violência, com cada cidadão portando uma arma na cintura, num ideário de retrocesso civilizatório sem precedente, no qual os defensores do instituto dos direitos humanos receberam o rótulo de desprezíveis vagabundos.

       A imagem oficial da administração federal por que passou o nosso país nos levou à certeza de que a sensibilidade tem mesmo a ver com inocência de criança e reflexo de lua e estrelas em lagoa. Ou seja, a sensibilidade não habita nem tem lugar na mente de quem tem o torturador Brilhante Ustra como ídolo e a supressão de direitos do cidadão como alicerce de construção de uma sociedade coesa e capaz de gerar espírito de nação verdadeira.

       Nos últimos seis anos (desde 2016), a discórdia política distanciou pessoas e ensinou aos brasileiros que há amizades temporárias, que cumprem seu papel, não criam raízes e partem. Outras, são de jornada e duram até a morte. Infelizmente, mesmo no âmbito das famílias, os posicionamentos antagônicos quebraram laços afetivos, que se estilhaçaram como taças de cristal e jamais serão refeitos.

       A explicação sobre como os índios ianomâmis chegaram a drama humanitário de tamanha dimensão é de difícil enunciado, pois estamos perante uma falha que envolve parlamentares (não fiscalizaram os atos do governo), as pomposas instituições da República (mergulhadas em inoperância), a imprensa corporativa (perdida na defesa do interesse de seus patrões e no gosto adquirido por “passar pano” e fazer vista grossa aos horizontes autoritários tão apreciados pelo “deus-mercado”, que somente vislumbra perigo quando é projetado algum benefício às classes trabalhadoras). Surpreendentemente, apesar de toda a parafernália da comunicação digital, os ianomâmis ficaram anos a fio sob a sanha de inominável e cruel abandono programado – uma indisfarçável vergonha para a sociedade brasileira!

       Carlos Lúcio Gontijo

        Poeta, escritor e jornalista

       www.carlosluciogontijo.jor.br

      22 de janeiro de 2023.