Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

 (*) Carlos Lúcio Gontijo

 

          No dia 21 de maio de 2021, faleceu o Dr. Juarez Luiz da Silva, advogado e filho do saudoso Dino Luiz, prefeito de Santo Antônio do Monte, do qual guardo lembrança indelével desde criança, pelo fato de tê-lo visto, quando em viagem à cidade de Moema com o meu pai José Carlos, esquentando comida num improvisado fogãozinho a lenha, para ele e dois funcionários da Prefeitura, que faziam mata-burro numa estradinha vicinal de terra.

          Pois bem, o Juarez do Dino (como era popularmente conhecido) saiu ao pai. Ou seja, era um cidadão guiado pela honestidade, pela camaradagem, pela humildade e tratamento ameno junto às pessoas, sempre recebidas por ele com fidalguia e camaradagem em sua imobiliária e, ao mesmo tempo, seu escritório de advocacia.

          Tive a oportunidade de estreitar meu relacionamento com ele durante a minha curta passagem pela Secretaria de Cultura de Santo Antônio do Monte onde, ao lado de minha equipe de trabalho, pude criar o Dia da Estação e do Ferroviário, possibilitando a efetiva comemoração de seu centenário. Criamos também o memorial do benfeitor Padre Paulo Michla, na casa do Padrinho Vigário, instalando também um local de referência ao Dr. Octaviano Rodrigues, juntando livros de sua biblioteca médica (com muitos livros versando sobre endemias infantis, sua grande especialidade), numa merecida homenagem a quem socorreu tantas pessoas de camadas mais pobres do município santo-antoniense, em especial gente da área rural.

          Preocupado com a ampliação da procura da biblioteca pelos leitores, instituímos o programa “Leitura Premiada”, que consistia em receber redação de leitores sobre livros emprestados pela Biblioteca Municipal Bueno de Rivera, contemplando as melhores análises literárias nas categorias adulto e infanto-juvenil.

          Na montagem de tal linha de atuação, contei muitas vezes com o apoio do prestativo “Juarez do Dino”, então secretário da área financeira da Prefeitura. Lembro-me de que em certa ocasião, ao ver-me diante de grande impasse na realização de espetáculo cultural de rua, para o qual precisava adquirir pequeno transformador, a fim de levar energia a palco onde se apresentariam dançarinos, cantores e músico, surgiu a mão amiga do Juarez.

          Percebendo que eu iria comprar com os meus próprios recursos o equipamento indispensável à realização do espetáculo, que aconteceria em três dias, solidário ao meu senso de dever, ajudou-me com parte do valor, mas numa atitude de amigo verdadeiro aproveitou para me aconselhar: “Carlos Lúcio, com esse seu idealismo de poeta e escritor não tem como você sobreviver na gestão pública, na qual tudo é demorado. Você é ansioso demais e vai acabar até adoecendo, pois não há como você custear projetos culturais indefinidamente, como aconteceu com a pintura e iluminação externa do prédio da Estação”.

          Pouco mais tarde, segui o conselho do amigo e optei por cuidar tão-somente do meu site e da produção e edição dos meus livros independentes, o que já é tarefa hercúlea a ser realizada neste Brasil historicamente avesso a investimentos na área cultural.

          Certamente, por ter observado tão de perto a minha luta no âmbito da poesia e da literatura, o amigo Juarez resolveu um dia marcar presença no lançamento de livros de minha autoria na pizzaria “Koisa Nossa”, no ano de 2013, numa atitude de grande consideração, uma vez que na realidade ele gostaria mesmo era de estar em casa ou na fazenda, tomando a sua cervejinha e bebericando uma boa cachaça.

          Passei então a encontrá-lo uma, duas vezes por semana em reunião de companheiros realizada pela tradicional confraria da “Mesa 24”, num boteco da cidade, contando sempre com a presença do nosso amigo comum advogado Magela Couto. Depois, veio a fase em que eu o encontrava durante minha caminhada diária. Eu caminhando, ele à porta de sua imobiliária.

          Foi num desses encontros casuais, que se deu reunião de esquina de rua na qual o meu pai José Carlos se fez presente. Papai já dobrando os 90 havia comprado um sítio e o Juarez, sempre brincalhão e irreverente, se pôs a aconselhar o meu pai: “Olha seu Zé, se eu fosse o senhor não plantaria árvores frutíferas como, por exemplo, jabuticabeira, que demora anos para produzir. O seu caso está mais para couve, salsinha, cebolinha…” Nem chegou a terminar o aconselhamento, pois meu pai logo protestou: “É isso que você me deseja; sua ave de mau agouro! Amigo fingido, seu falso!” E ficamos os três a rir da situação, que apenas a confiança de uma boa amizade é capaz de proporcionar.

          Acredito, amigo Juarez, primo distante de minha esposa Nina, que as pessoas são espíritos viajantes; uma hora aqui na Terra, d’outra feita nos Céus, numa das muitas moradas do Criador. Não sei o momento nem daqui a quanto tempo, mas ao certo nos reencontraremos algum dia no mar de luzes da Eternidade, onde o espetáculo do divino aprendizado espiritual ocorre em palco abençoado sem a necessidade de compra de algum transformador.

          Carlos Lúcio Gontijo

          Poeta, escritor e jornalista