Carlos Lúcio Gontijo
Assistir ao meu País em convulsão política, penando entre uma elite entreguista, uma classe média colonialista sem noção de luta de classe e um contingente de pobres acorrentados às migalhas que lhe são atiradas pelos senhores de terras e engenhos, era panorama impensável a ornamentar de desesperança o meu horizonte de senhor de 70 anos, em pleno século XXI.
Quanta gente estudada (como costumava dizer minha mãe) se nos revelou pessoa direitista, desprezando todo conhecimento acadêmico e toda ciência e mergulhando na baixa mentalidade, contra a qual o grau de escolaridade não serve como antídoto, pois é lá – em suas águas turvas – que a pessoa mediocrizada tenta encontrar solução para os problemas sociais que nos afligem, guiada pelo preconceito, pelo racismo e pelo radicalismo selvagem.
Em meio à pandemia da Covid-19 e às diabruras de um governo anticiência, antieducação, anticultura e antipolíticas sociais, protegi-me mental e intelectualmente nas trincheiras de meu ofício “poético-literário”: lancei às pressas o livro infantil “Agenda” em março de 2020, quando as escolas iniciaram o fim das aulas presenciais; no decorrer do ano 2021 produzi as obras “Menos olhos, menos chuva & Grãos de loucura (poesia, aforismos e novela, com ilustrações de Júlio César Campos) e “Jenipapo no ponto” (romance e poesia, com ilustrações de Valdeci Almeida, minha irmã Vera Lúcia Gontijo e Sabrina Éllen Oliveira), títulos que foram lançados em abril de 2022.
Como as ameaças e descalabros cotidianos perpetrados pelo governo desalmado não davam trégua, ainda produzi o livro “100 TEMPO” (meu 26º título), com o qual pretendo terminar o meu ciclo de escritor lançando-o no mês de abril de 2024, quando comemorarei 72 anos. Os exemplares do “100 TEMPO” já estão impressos e devidamente estocados na cidade de Contagem. A ideia é passar a cuidar apenas de meu site, que está aberto ao público leitor desde 5 de junho de 2005, no qual se encontra exposta toda a minha produção literária, em livre e total acesso.
Acredito que cumpri bem, da maneira que pude, a minha missão de escriba menor, sob a consciência de que são os nossos sonhos que movem os moinhos de vento de nossa existência humana. A minha luta de escritor independente iniciada em 1977, com o lançamento do primeiro livro, leva-me a alertar aos que se aventuram no âmbito do exercício da arte da palavra escrita: Quem não tem força emocional e resiliência para suportar o desapreço, a indiferença e a falta de reconhecimento, não tem como construir carreira no malcuidado campo literário.
Por outro lado, a lida com a literatura e a poesia dá ao escritor a oportunidade de estar na linha de frente da atividade cultural, que é indispensável à criação de uma gente brasileira capaz de gerir o seu próprio destino e não se deixar enganar por políticos e agentes de ideologias alicerçadas numa visão de mundo excludente e semeadora de supremacias descabidas, visando à instalação de discórdia invés de harmônica convivência social.
Posso afirmar de maneira incisiva que meus melhores amigos me vieram pelas mãos da literatura. Meus leitores conhecem (através de meus textos e poemas) o melhor de mim e, assim, puderam tecer laços de afeto verdadeiro. Muitos dos amigos/leitores que caminharam comigo desde o distante ano de 1977 não estão mais fisicamente neste plano terrestre; todavia, aprendi com a dor da perda que algumas ausências se fazem tão sentidas que, em plenitude, se transformam numa espécie de presença.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
1º de dezembro de 2022.