Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                           (*) Carlos Lúcio Gontijo

 

       Quando, no ano de 1977, lancei meus dois primeiros livros eu não dispunha de condições ideais para a façanha, mas ousei dar vazão ao meu idealismo, uma vez que desde os 14 anos juntava material sob o objetivo de editar um livro. À época, não tinha emprego e não conhecia sequer ilustrador para produzir uma capa. Então, mesmo sem possuir capacidade para tanto, elaborei naquele ano duas capas e publiquei dois livros: “Ventre do mundo” e “Leite e lua”. “Quem sabe, faz a hora”, ensina a canção.

       O ano de 1977 foi marcado por incertezas políticas, tentativas de golpes militares e fechamento do Congresso, seguindo o pensamento de Ernesto Geisel, que dizia estar governando dentro de uma democracia relativa. Assistimos à posse da primeira mulher na Academia Brasileira de Letras, a escritora e cronista Rachel de Queiroz. Todavia, houve as mortes de Clarice Lispector, Maysa Matarazzo, Maria Callas, Chaplin e Elvis.

       Meus dois primeiros livros levaram dupla de policiais à casa de meus pais na Rua Vassouras, em Belo Horizonte. Os representantes da lei e da ordem conversaram com minha mãe e concluíram que eu não pertencia a nenhum grupo subversivo; não passando de um lobo solitário recém-chegado do interior, mais precisamente de Santo Antônio do Monte.

       Aprendi muito cedo que o verdadeiro assento de todo autor não está nas entidades acadêmicas, mas nos livros que escreve. Prazenteira certeza me conduziu à plena necessidade de me dedicar com afinco à publicação de títulos em tal profusão que em 2024, passados 47 anos, lançarei o meu 26º e derradeiro livro. Acrescentando, a este feito, duas segundas edições, uma Coletânea com os cinco primeiros livros e a participação em dez antologias.

       Por vivência e experiência no âmbito poético-literário, posso afirmar que livro de literatura tem que apresentar pelo menos meia dúzia de frases criativas, daquelas que o leitor destaca sob a intenção de colocar num cartão-postal ou em uma mensagem na internet. Somente assim, uma obra cumpre o seu papel e ganha a condição de depositária de arte da palavra.

       Detecto desabridamente que o notório avanço da ignorância, que em muitos casos se nos apresenta elevada ao grau de predicado, reside no desprezo pela leitura por parte de significativa porcentagem da população brasileira. Sem sombra de dúvidas, podemos garantir que, quem não tem gosto pela leitura, jamais inclui livro em sua dieta de consumo diário, matando sua sede de conhecimento em fontes de desinformação que espelham (sem discussão nem qualquer contraditório) exatamente as ideias nas quais vê a representação de si mesmo.

       Lamentavelmente, livros nas mãos de quem não tem gosto pela leitura são folhas mortas, padecendo sob os rigores de inverno imposto pela ignorância. Em quadra assim tão disforme, incomoda-me cada vez mais o que não é se me apresentando como se fosse. Defendo a tese de que desinformação combinada com baixo índice de leitura da gente brasileira tem facilitado a implantação de discórdia e, consequente, divisão de nossa sociedade, facilitando a ação de maus políticos. A grave situação de perversidade avaliza a minha assertiva de que há pessoas que nem é preciso saber o que fizeram no verão passado, pois a gente tem a mais absoluta certeza que coisa boa não foi.

        Fanatismo e fundamentalismo dominam todos os assuntos, tanto os religiosos quanto os políticos, pondo fim a amizades e separando entes familiares. Entretanto, não podemos ver em todo esse ambiente conturbado apenas o seu lado danoso, pois desde o princípio dos tempos os “afastamentos” fazem parte dos ciclos da vida; aceitá-los é questão de sobrevivência! Além do mais, se saímos atrás de quem se afasta, deixamos de reverenciar os que nos são fiéis e ainda corremos o risco de perder a oportunidade de estarmos presentes para receber os novos amigos que chegam.

       Carlos Lúcio Gontijo

       Poeta, escritor e jornalista

       www.carlosluciogontijo.jor.br

        Janeiro de 2023