Carlos Lúcio Gontijo
Apesar dos azares do cavalo, as ferraduras continuam guardando as portas dos lares brasileiros, que têm na esperança seu alicerce maior, pois, sem representatividade política bem intencionada ou capaz de fazer-se operante, obrigam-se a crer que o próprio dono dos bois acabe, movido por algum descuido divino, defendendo seu bife de cada dia.
O discurso político continua distanciado da realidade. Vemos, por exemplo, a verdade desmentida por intermédio do preço dos gêneros agrícolas de primeira necessidade, quando confrontado com o que nos dizem as autoridades sobre o desempenho de nossa agricultura. Ao mesmo tempo que os homens de Brasília expõem aos olhos da nação – padecendo de debilidade e inanição de sua gente – os números de safras em franca ascensão, nós, os consumidores, os frequentadores de armazéns e supermercados, somos surpreendidos com preços altíssimos, forçando-nos a um jejum nada cristão, pois que diário e sob o signo da revolta.
O Brasil não pode, de forma alguma, pretender pagar as suas dívidas externa e interna com o sacrifício de parte de sua população. E não pode promover esse sacrifício porque terá sido em vão, no momento em que os responsáveis pararem para contar as vítimas da subnutrição. Isso sem considerar que muitos daqueles que não perecerem sob as lâminas dessa iniquidade estarão impossibilitados de contribuir como força ativa de trabalho, por debilidade física e/ou mental, pois a geografia da falta de saúde é igualmente a da fome e da ignorância – configurando-se aí, exatamente, a face mais cruel de nosso desenvolvimento econômico, que aprendeu rapidamente todas as formas e fórmulas de individualizar lucros e socializar prejuízos.
Entretanto, os responsáveis por todo este cárcere de desigualdades a que assistimos continuam impunes em suas tramas diabólicas, tão cheias de destemor quanto vazias de qualquer sensibilidade social, independentemente do tempo – inclusive a Semana Santa, quando a realidade nos ensina que todas as semanas deveriam ser santas.
Entretanto, estranhamente, aqueles senhores da realidade em que vivemos aparecem sorridentes diante da perplexidade dos menos favorecidos, como quem houvesse sopitado a realidade de estrelas azuis e não desta negra tempestade, que será ainda mais negra no dia em que, na mente dos desassistidos, os azares do cavalo pesarem mais que a sorte das ferraduras.
E nos parece que as ferraduras estão prestes a se desprender das portas, pois vivemos um tempo de incertezas e desarrumação político-econômica, fatores que, perigosamente alinhados, nos pintam um quadro mais negro que aquele à época do suicídio de Getúlio Vargas, renúncia de Jânio ou deposição de João Goulart. Pois, quando esses fatos se deram, não havia a mesma consciência política nem tanta participação nem tanta facilidade de comunicação. Dispomos no momento de total liberdade de organização, um leque enorme de opções partidárias, ideológicas e associativas, que constituem um fenômeno detentor de um termômetro aquecido pela impaciência e desesperança daqueles que há muito suportam a escuridão de um túnel sob a promessa política de que há luz ao seu final e que, sob o governo Lula, tiveram a plena noção de que uma vida melhor e digna é plenamente possível.
Indubitavelmente, a experiência nos ensina que a certeza da escuridão costuma doer-nos menos que a falsa promessa de luz. Tudo bem, o governo Lula avançou, os conservadores e os direitistas e demais contrariados continuam de plantão, agindo na escuridão que jamais deixaram de pintar, assim como ao diabo tem o fogaréu como missão.
Temos uma Semana Santa pela frente e, com todo o conhecimento adquirido pela humanidade, assistimos a um quadro social em nada diferente ao que levou à crucificação de Jesus Cristo. Ou seja, há muita gente orando em nome do pecado tanto de hoje quanto daquele que cometerá amanhã e depois de amanhã, como se os preceitos bíblicos fossem uma espécie de amuleto, salvo-conduto, um passaporte, um passe livre para o mal e compromisso algum para com o outro, que em síntese, e segundo a palavra de Jesus Cristo, é espelho de cada um e de todos nós.
E assim, por absoluta falta de visão e atitude coletiva, vivemos em um mundo de Semanas Santas de espelhos quebrados.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista.
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