Carlos Lúcio Gontijo
Ao lançar dois livros em abril e maio, nas cidades de Santo Antônio do Monte e Belo Horizonte, com a presença de grande público, propus a mim mesmo o fim da produção de livros no papel, ocupando-me apenas da administração de meu site, no qual se encontram postados todos os meus livros – o espaço cultural está em funcionamento desde 5 de junho de 2005 e passará por repaginação, a fim de alcançar maior eficiência técnica.
Iniciei a atividade de escriba menor em 1977, quando publiquei o primeiro livro. Confesso que me sentia (e me sinto) até mesmo aliviado em chegar ao 25º título, com duas segundas edições e uma Coletânea composta pelos cinco primeiros livros. Todavia encontrei casualmente algumas anotações intituladas de “100 TEMPO” e me pus, sem muita pretensão, a trabalhar em torno da ideia, que desaguou em nova obra (a 26ª), em poesia e prosa, com previsão de lançamento no mês de maio de 2024, em comemoração aos 45 anos do meu casamento com a amada Nina.
Meu amigo Valdeci Almeida, escritor e criativo cartunista, está com a incumbência de fazer capa, contracapa e ilustrações internas do livro “100 TEMPO”, que (apesar de fruto de gravidez intelectual indesejada) veio em boa hora, uma vez que a abordagem nele contida explica e bem justifica a minha decisão de não mais produzir livro impresso.
Posso inclusive afirmar que a obra “100 TEMPO” serviu para melhor alicerçar e dar mais consistência ao meu desejo de pôr fim a uma labuta alimentada (desde os 14 anos) pelo idealismo de me tornar poeta e prosador. Num primeiro momento, fiquei onze anos escrevendo e juntando material na gaveta, pois me vi diante das dificuldades impostas à edição de livro no Brasil e só consegui imprimir aos 25 anos.
Prazerosa e alegremente, marchei por inteiro rumo ao esforço do crescimento e aprimoramento no campo da escrita, idílio que me conduziu à produção de 26 livros, além de, no exercício do jornalismo, ter elaborado mais de 600 artigos e cerca de 1.400 editoriais para jornais (Diário da Tarde, Diário de Minas, Tribuna de Mariana, O Trem Itabirano, Observatório da Imprensa e a revista portuguesa “eisFluências”, dirigida pela saudosa poeta Carmo Vasconcelos).
Contudo é tempo de um voltar para casa, até mesmo por ser necessário ao meu discernimento em relação à minha trajetória profissional, sob o objetivo de contemplar e vislumbrar, da varanda de minha existência, o registro de meus passos no horizonte.
No obstante os cuidados e precauções que tomo, o avanço inexorável da idade enfraquece-me e me coloca à mercê das inevitáveis imperfeições.
Dos 14 aos 70 anos, no destino natural de quem fez os primeiros versinhos aos nove, resisti tanto quanto pude as inúmeras pedras no caminho, dei de ombros à indiferença e, muitas vezes, me reinventei perante a força atrativa da propalada indústria de entretenimento, na qual o interesse cultural praticamente inexiste. Nela, tudo se prende exclusivamente à apresentação de produto revestido de cultura forçosamente palatável ao império da comercialização, buscando-se sucessos temporários, que duram (quando muito) tão somente um verão.
Na cultura é fundamental a reflexão, que hoje é fator que não cabe no imediatismo da vida moderna. Entretanto, compete aos jovens de hoje lutar contra essa sentença de enrugamento precoce do espírito – proclamada por autoridades constituídas mergulhadas em mandonismo antidemocrático e ditatorial –, que tem por meta a naturalização da escravidão e do empobrecimento intelectual.
Portanto, como se preparasse uma cerimônia ritualística disponibilizarei o livro “100 TEMPO” em meu site bem antes do lançamento em maio de 2024, assim que o designer gráfico Valdeci Almeida der cabo à sua tarefa, para que eu e meus amigos/leitores nos acostumemos com o fim de minha produção literária no papel e, juntos, tomemos consciência da possibilidade de reencontros, seja no meu espaço virtual, seja numa casual releitura, edificando a certeza de que, pelos meus 26 livros, continuarei poeta e escritor, enquanto eles permanecerão meus estimados leitores, amigos diretamente responsáveis por minha caminhada “poético-literária” vida afora.
Agirei em conformidade com o que um dia me disse, ao prefaciar o meu livro “Leite e lua” em 1977, o grande, sábio e saudoso poeta Bueno de Rivera, ao qual conheci já no ocaso dos anos: “Carlos Lúcio, caminhe sempre com honestidade de propósito, siga em frente com humildade e altivez, mas nunca perca de vista o estado de vigor de suas pernas, para que possa voltar pra casa ainda em razoável condição física e mental, a tempo de abraçar a família, receber os amigos, contar admirado os seus próprios feitos e até rir sem culpa de seus fracassos”.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
13 de junho de 2022.