Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                                               Carlos Lúcio Gontijo

          A campainha da minha casa voltou a ser acionada por pedintes, sinalizando que a fome está de volta à mesa dos brasileiros. Da minha janela vejo as pessoas passarem com seus semblantes entristecidos e portando sacolas de compras cada vez mais vazias. O cheiro de churrasco que impregnava o ar nos finais de semana raramente acontece: acabou a festa; é pau, é pedra, é o fim do caminho, como nos diz canção de Tom Jobim.

          Preocupado, preparo dois livros para a comemoração dos meus 70 anos, com um quê de coroamento de minha carreira de autor independente iniciada em 1977. O ambiente cultural não está pra livros, pois a fogueira da ignorância arde por todos os cantos numa insistência vã de jogar claridade sobre a tentativa de imposição do negacionismo acompanhado de total obscurantismo.

          O meio cultural não reconhece, na maioria dos casos, as figuras que o representam nas instituições de comando, a começar da secretaria que tomou o lugar do Ministério da Cultura, passando pela Fundação Palmares e escalões menores, nos quais a grande marca é a presença de gente que não tem nada a ver com os produtores de bens culturais no Brasil.

          Frequentemente, sou procurado por jovens poetas e prosadores querendo que eu lhes passe a fórmula de edição de livros e eu não consigo lhes apontar nenhum caminho que não seja a indicação de esforço pessoal, em meio a muito idealismo e desprendimento, uma vez que não há interesse na alavancagem de uma política de estado capaz de abrir alguma clareira benéfica ao importante ambiente de criação artística, que no seu conjunto constitui a cultura brasileira – a identidade de nossa gente!

          A demonstração de desprezo pela cultura começa pela classe política, que dificilmente prestigia eventos de apresentação de manifestações artísticas. Lancei mais de duas dezenas de livros, levei minhas obras infantis a inúmeras cidades, distribuindo-as gratuitamente a escolas públicas de ensino fundamental, destinando-lhes pacotes com 10, 15, 20 exemplares, sob a intenção de facilitar o trabalho das professoras, mas raramente me deparei com a presença de algum representante da classe política: prefeito, vereador e secretários das pastas de Educação e de Cultura.

          Trago em mim a certeza de que é fonte de imenso vazio passar pela vida e jamais assistir de perto à alegria de uma criança ao receber livro das mãos de autor. Há neste momento o brilho de uma janela aberta para o universo sem fim de possibilidades de construção de um mundo melhor, onde haja espaço (na convivência em sociedade) para semeio de poesia, sensibilidade, gentileza e prática real do verdadeiro amor ao próximo.

          No início da pandemia do coronavírus, ouvi muita gente dizendo que precisava disso e daquilo, mas que jamais se deparou com a necessidade de solicitar os serviços de algum artista. Então, a pandemia avançou no tempo, consumindo dias e mais dias, e muitos recorreram aos livros, às “lives” de apresentações musicais, aos canais de exibição de filmes, atendendo ao grito proveniente da alma carente do sopro da arte a lhe preencher os vazios de espiritualidade.  

          Ninguém vive sem o refrigério proporcionado pelo acesso à cultura, nem que seja uma frase ou imagem de outdoor e mesmo um grafite exposto em muro. Deus, ao criar a Terra, deixou-nos de presente uma colossal obra de arte ao ar livre, pois celestial e divinamente previa nossa necessidade de ter à disposição encantamentos como a beleza de flor no jardim, o cicio do vento tocando as árvores, a poesia de um pôr-do-sol, o som da chuva no telhado, as linhas do horizonte distante, o canto dos pássaros e toda a natureza, enfim, são fenômenos a nos aliviar as agruras e a dureza do aprendizado de cada um de nós, no cumprimento de nossa passageira existência terrestre.

          Carlos Lúcio Gontijo

          Poeta, escritor e jornalista.

         09 de julho de 2021