Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

A OBRA-ALICERCE

Carlos Lúcio Gontijo aponta seu terceiro livro de poemas, “Cio de Vento”, editado em 1987, como a obra responsável pelo estilo que passou a adotar em sua forma gráfica de se expressar, como se houvesse encontrado uma espécie de grande alicerce para sustentação de sua criação literária e mesmo jornalística.

Sobre “Cio de Vento”, Rogério Pimentel – jornalista, poeta, artista plástico e ator belo-horizontino – redigiu, em 1988, competente e brilhante análise.
Cio de Vento: o mercado de Carlos Lúcio Gontijo
Por ROGÉRIO PIMENTEL

As noites não duram como duram as pedras, os relógios, a fome e o mundo; as noites permanecem como permanecem as tatuagens, as amizades, a sede e a vida.

Entre a eternidade e os momentos felizes da criação poética existe o vento compondo sua trajetória de crescimento e deterioração, fartura e miséria, mercado e deserto unindo o poeta à sua vocação de antena, observador, amante e estrela das noites que embalam os mercados de todas as almas, de todos os corações.

A partir da criação interior do mercado, o poeta se torna seu mais clarividente mercador. Construindo “Cio de Vento”, Carlos Lúcio Gontijo abre as portas do mercado, clareando de poesia o terreno das vidas, muitas vezes já preparado para receber sementes.

O mercado é a metáfora, mundo onde o poeta procura saciar a sua fome eterna, a sua sede permanente, suas fantasias e seus desejos.
I – A poesia

A.. Mercado

1. LUGAR ONDE SE COMERCIAM GÊNEROS ALIMENTÍCIOS E OUTRAS MERCADORIAS.
Existe em “Cio de Vento” a necessidade de se conseguir um poema belo. A beleza selvagem no seu estado de pureza, afastada de recriações, intelectualismos, partidos, dará ao poeta a condição de atingir o mundo, as pessoas e a própria poesia. De idealismo surge a utopia, que tem no peito dos homens a paisagem de suas construções.

O poeta procura, quer penetrar na poesia para se tornar parte da paisagem dinâmica, invocadora do místico, do espiritual: o Criador, espelho do poeta, pede aos homens a transformação.

O tempo, o relógio, o calendário, o sol, a lua são rápidos demais durante a existência fértil da poesia. Ao espírito do poeta é dado o poder de retornar alucinado aos infinitos do Criador, engravidando estrelas em sua trajetória carnal, cósmica, poética e humana.

A felicidade é digna. Fabricá-la superficialmente é afugentar Deus e o povo das paisagens.

II – A mulher

B. Mercado

2. O CONJUNTO DE PESSOAS E/OU EMPRESAS QUE, OFERECENDO OU PROCURANDO BENS E/OU SERVIÇOS E/OU CAPITAIS DETERMINAM O SURGIMENTO E AS CONDIÇÕES DESSA RELAÇÃO.

“Cio de Vento” faz Carlos Lúcio Gontijo retirar das aventuras seu interesse pelas fugas, quando a mulher que não fugiu, aparece entre sombras.

O amor da noite pelo poeta mistura-se ao amor do poeta pela mulher.

Deste amor compromissado o poeta transcende paixões em amizades; e jura poesia à mulher que o uniu à sua própria sina.

Da mulher e do homem vem a sublimação poética do encontro. Vêm as sensações de poder transformar o estabelecido através do amor.
III – A vida

C. Mercado

3. POVOAÇÃO, CIDADE OU PAÍS ONDE HÁ GRANDE MOVIMENTO COMERCIAL.
“Cio de Vento” retorna à lembrança da infância: a metáfora, os frutos e o futuro desenhavam nas intimidades da sua cidade natal o destino do homem/poeta.

A vida se mostra “pingando mel” ao poeta. Sua participação é tão cristalina quanto o poema, a consciência e a continuidade da vida.

Hoje, os frutos estão em estado de crianças. O pai/poeta sabe dos perigos que cercam o crescimento. Mas a fé que possui atravessa galáxias, atingindo criações.

Para o fruto macho oferece o risco das águas, o risco da perda da poesia. Para o fruto fêmea oferece a claridade, a poesia do leite transbordando pelos seios da mãe.

Estes frutos são desejos unidos pelo mesmo amor.
IV – A madrugada

D. Mercado

4. PERMUTAÇÃO OU TROCA DE PRODUTOS E/OU VALORES; O COMÉRCIO.
“Cio de Vento” se preocupa com o menor abandonado. O lirismo se debate com o destino marcado das crianças da rua, pivetes do futuro.

O poeta já sabe que do sonho não se pode retirar a esperança. Sua trajetória é a rua, a noite o levando de volta ao lar. Nestas caminhadas se relaciona com o social.

A realidade modifica o comportamento das pessoas: de madrugada a satisfação do homem comum é passageira. Para o homem/poeta é inatingível.

O poeta tem a visão de um futuro cinza, ausente de verde, coberto de cinzas. É na madrugada que o sentimento e a palavra fazem poesia do poeta.

As dores vêm à tona quando, na noite, o poeta se abre; as cicatrizes já foram feridas e são, agora, as formas mais complexas das dores.

A nível de delírio “Cio de Vento” se encontra lúcido, convivendo com encontros que só existem durante os gemidos da loucura.

A madrugada é um estágio muito forte; e mesmo exausto o poeta pensa no País.

A luta é diária, noturna. O País tem espaços na lógica do poeta, como os músculos que sustentam os atletas, feito as palavras que preenchem o arcabouço do poema.

Com estas quatro referências irreversíveis Carlos Lúcio Gontijo constrói o seu mercado, termômetro e eixo dos seus vôos, seguindo ao seu lado, para todo e sempre, sua alma, sua mais próxima irmã.

E amanhecer deixou de ser mistério, vício, rotina. Passou a ser viagem, futuro, vento e riso.

 

 

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