Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                                                           Carlos Lúcio Gontijo

 

       Todos os sinais que recebemos no transcorrer de nossa vida apontam para o sentido contrário no que diz respeito à construção de caráter sob o alicerce do egoísmo, da arrogância e da vaidade. Personalidades erigidas dentro desse prisma podem até obter algum sucesso no tempo presente, mas certamente não perpetuarão seu nome na história, uma vez que não terão seus retratos dependurados na sala de estar do coração das pessoas.

       Aqui em Santo Antônio do Monte, cidade onde hoje moramos, no interior de Minas Gerais, o prefeito Dr. Wilmar de Oliveira Filho houve por bem incorporar, via aquisição junto aos proprietários, o belo e histórico casarão em que residiu o venerado Monsenhor Otaviano José de Araújo, que chegou ao município no dia 26 de outubro de 1877, aos 27 anos, e durante meio século pastoreou os fiéis da religião católica, sob a luz da divina humildade.

       Podem os menos atentos considerar um desperdício a compra de um antigo casarão, tombado e inserido ao patrimônio cultural de uma cidade, mas a realidade é que, ao fazê-lo, o administrador junta a memória imaterial à lembrança tangível. Se os devotos do Monsenhor Otaviano (que, por sua fé, humildade e presença ao lado da gente simples, foi carinhosamente cognominado “Padrinho Vigário”, numa verdadeira honraria popular) não conseguem tocar o seu elevado espírito, dispõem agora do palpável casario em que sua santificada caminhada foi acolhida. Estamos assim, diante de um ato administrativo que tem o mérito de contribuir decisivamente para uma formação mais amena do cidadão santo-antoniense, pois ser humano algum se desenvolve em plenitude sem estar enraizado e integrado às coisas que o rodeiam e compõem o seu torrão natal.

       Ao ter a oportunidade de conhecer e ter contato com a sua própria história, a pessoa se toma da consciência de que sua existência é fruto do trabalho de gente que nem chegou a conhecer e que, no desvendar de tudo, a conclusão é que carregamos em nós um punhado de pessoas e que, por isso, jamais estamos sós, ainda que nos sintamos em solidão.

       Temos a cultura como fator fundamental no combate à violência: com toda certeza quem acaba de ler um poema se enche de sensibilidade suficiente para não cometer um assassinato no primeiro dobrar de esquina. A filosofia nos ensina que, mental e psicologicamente, estamos em constante construção. Daí, a necessidade de permanente acesso às ferramentas culturais, a fim de que continuemos na busca do aperfeiçoamento de nosso espírito. Se os meios de comunicação, por exemplo, optam por propagar a violência, passando a impressão de que nada de bom esteja acontecendo na imensidão do planeta Terra, corremos o risco de assistir à disseminação do desrespeito à vida e o consequente levantamento de toda a espécie de barreiras à prática do amor ao próximo, que é insumo exponencial ao fortalecimento da convivência em sociedade.

       No dia da cerimônia de entrega da “Casa do Padrinho Vigário” à comunidade santo-antoniense (19 de fevereiro de 2014, data em que aniversariaria a iluminada educadora Maria Angélica de Castro, outra benfeitora da cidade), abençoada com a celebração de missa, havia no ar a brisa de intensa humildade, que a nosso ver emanava dos aposentos austeros do Monsenhor Otaviano, onde estão preservados muitos de seus pertences mais íntimos – a cama, móveis, o relógio que parou de funcionar na exata hora de sua morte e vários objetos pessoais. Em nós sobreveio frase que grafamos no romance “Jardim de Corpos”: Quem não acredita em milagre, vive sob o milagre de em nada acreditar.

       Carlos Lúcio Gontijo

       Poeta, escritor e jornalista

       www.carlosluciogontijo.jor.br

       21 de fevereiro de 2014.