Feito rabo de cavalo
Carlos Lúcio Gontijo
Os jornais brasileiros têm sido simples vitrines de notícias, o que acaba por fazê-los distantes de seu objetivo de formar opinião. Ao inserir em suas páginas a íntegra do noticiário via telex e releases, os jornais entram na política de informação e contra-informação de terceiros ou auxiliam na construção de imagem de homens públicos e empresários. Isso faz de nossos jornais reflexo, semelhança e porta-vozes do poderio econômico.
A ausência de opinião do veículo emissor de fatos não tem muito a ver com a imparcialidade e bem mais com uma determinada covardia e indisfarçável omissão. Ao pretender e se dizer imparcial pelo simples fato de abrir espaço para gregos e troianos, nossos veículos se esquecem de que circulam em país de nível educacional dos mais precários – infelizmente agravado pelo descaso do Governo que deixou a educação ao deus-dará, e nas mãos de particulares que a elitizaram através dos altos preços -, tornando o indivíduo presa fácil de discursos falsos, mas sonoros aos ouvidos dos humildes e abandonados tanto pela ação quanto pela vontade política. Tais pessoas não são afeitas ao exercício da análise, cabendo, então, aos jornais, abrir-lhes clareiras na mente e raciocínio. Expor opinião é sobretudo convidar ao diálogo e à discussão democrática.
Os vícios de não exercer o direito de opinião bem como a prepotência e o individualismo que campeiam entre aqueles que detêm o sagrado dever de dirigir os mecanismos burocráticos da sociedade são os piores frutos deixados pela ditadura militar. Nota-se, inclusive, que os editoriais de alguns jornais mais parecem cobertura jornalística comum, pois apenas descrevem fatos e se enchem de aspas, segundo fulano, segundo sicrano etc.
Assim sendo, não é de nos causar espanto o crescimento – e até mesmo o surgimento – de um Collor de Mello, apesar de tudo o que ele significa de mau, pois o mesmo traça seu caminho precisamente sob o vácuo de opinião da “imprensa em cima do muro” e da conseqüente falta de discernimento de nosso eleitorado, que corre o risco de mais uma vez descobrir-se enganado apenas quando sob o jugo de novos desmandos em benefício do abismo das desigualdades.
Os jornais não podem comprometer-se com o subdesenvolvimento, que nos impõe o crescimento para baixo, feito rabo de cavalo, que joga instituições e indivíduos no círculo vicioso de não pensar porque não resolve, e nada resolve porque não pensa. A nação perece na inércia e imobilismo, há uma mesmice na política e nos agentes de cultura, que perderam o húmus da opressão a que foram condicionados e não são os mesmos sob o sol da pálida liberdade que experimentamos. Talvez por isso o compositor Antônio Carlos Belchior vai ficando cada vez mais atual: “Nossos ídolos ainda são os mesmos/ E as aparências não enganam, não”.
Artigo publicado no jornal DIÁRIO DE MINAS, página 4, em 16 de setembro de 1989.
Carlos Lúcio Gontijo
Os jornais brasileiros têm sido simples vitrines de notícias, o que acaba por fazê-los distantes de seu objetivo de formar opinião. Ao inserir em suas páginas a íntegra do noticiário via telex e releases, os jornais entram na política de informação e contra-informação de terceiros ou auxiliam na construção de imagem de homens públicos e empresários. Isso faz de nossos jornais reflexo, semelhança e porta-vozes do poderio econômico.
A ausência de opinião do veículo emissor de fatos não tem muito a ver com a imparcialidade e bem mais com uma determinada covardia e indisfarçável omissão. Ao pretender e se dizer imparcial pelo simples fato de abrir espaço para gregos e troianos, nossos veículos se esquecem de que circulam em país de nível educacional dos mais precários – infelizmente agravado pelo descaso do Governo que deixou a educação ao deus-dará, e nas mãos de particulares que a elitizaram através dos altos preços -, tornando o indivíduo presa fácil de discursos falsos, mas sonoros aos ouvidos dos humildes e abandonados tanto pela ação quanto pela vontade política. Tais pessoas não são afeitas ao exercício da análise, cabendo, então, aos jornais, abrir-lhes clareiras na mente e raciocínio. Expor opinião é sobretudo convidar ao diálogo e à discussão democrática.
Os vícios de não exercer o direito de opinião bem como a prepotência e o individualismo que campeiam entre aqueles que detêm o sagrado dever de dirigir os mecanismos burocráticos da sociedade são os piores frutos deixados pela ditadura militar. Nota-se, inclusive, que os editoriais de alguns jornais mais parecem cobertura jornalística comum, pois apenas descrevem fatos e se enchem de aspas, segundo fulano, segundo sicrano etc.
Assim sendo, não é de nos causar espanto o crescimento – e até mesmo o surgimento – de um Collor de Mello, apesar de tudo o que ele significa de mau, pois o mesmo traça seu caminho precisamente sob o vácuo de opinião da “imprensa em cima do muro” e da conseqüente falta de discernimento de nosso eleitorado, que corre o risco de mais uma vez descobrir-se enganado apenas quando sob o jugo de novos desmandos em benefício do abismo das desigualdades.
Os jornais não podem comprometer-se com o subdesenvolvimento, que nos impõe o crescimento para baixo, feito rabo de cavalo, que joga instituições e indivíduos no círculo vicioso de não pensar porque não resolve, e nada resolve porque não pensa. A nação perece na inércia e imobilismo, há uma mesmice na política e nos agentes de cultura, que perderam o húmus da opressão a que foram condicionados e não são os mesmos sob o sol da pálida liberdade que experimentamos. Talvez por isso o compositor Antônio Carlos Belchior vai ficando cada vez mais atual: “Nossos ídolos ainda são os mesmos/ E as aparências não enganam, não”.
Artigo publicado no jornal DIÁRIO DE MINAS, página 4, em 16 de setembro de 1989.