Carlos Lúcio Gontijo
O talento e a qualidade do trabalho de escritores ou poetas não lhes garantem nem lhes sinalizam qualquer possibilidade de sucesso. Hoje, o que conta ponto é o agressivo desenvolvimento de marketing pessoal, com tudo se resumindo em estar no lugar certo e com a pessoa certa. Ademais, é preciso satisfazer os ditames de sucesso implantados pelas editoras, que imaginam deter a fórmula perfeita para obtenção de sucesso junto aos leitores, guiados por tendências editoriais ao feitio de gado que se encaminha para o matadouro. Isso sem falar na lei de incentivo à cultura que entrega a política cultural aos humores de empresários voltados quase que exclusivamente para seus ganhos comerciais e por isso mais interessados em patrocinar produtos culturais de rápida aceitação, ainda que descartáveis, fazendo da captação de recursos uma missão praticamente impossível para os autores de obras de valor reflexivo, exigindo muito tempo para atingir a devida maturação e algum reconhecimento mínimo.
Os livros atualmente alçados à condição de líderes em venda nas poucas livrarias existentes no Brasil, com raríssimas exceções, não são um indicativo preciso de boa leitura; mas mesmo decepcionando as expectativas da maioria de seus leitores permanecem semanas a fio no topo dos mais procurados. Esperava-se que o advento da internet contribuísse para o surgimento de novos escritores e poetas, porém ao que se assiste é um monte de gente confundindo domínio do idioma e boa intenção com inventiva, arte ou dom de escriba talentoso, deixando-nos claro – e com todas as letras – que é no sacrifício idealista do livro impresso que acontece o batismo (em tinta e sangue) de todo e qualquer literato. Em síntese, a impressão está para o escritor ou o poeta como a certidão de nascimento para o cidadão. Ou seja, independentemente da quantidade (e qualidade) de trabalho escrito que ele tenha na gaveta, só o livro impresso oficializa tanto a sua existência quanto a sua atividade literária.
Enquanto isso, as novelas vão se nos apresentando cada vez mais audaciosas e apelativas, pregando despudoradamente que ninguém é de ninguém, nem no campo sexual nem em relação à amizade ou mesmo à família. Todavia, em meio ao vale tudo transmitido pelas emissoras de televisão, as novelas andam semeando flores no lodaçal a título de providencial e redentora prestação de serviço e conscientização dos telespectadores embebidos em descomunal enredo escatológico.
Entretanto, como merecido castigo, em vez de lastro de responsabilidade social, o que impera de forma contundente é a quebra de valores indispensáveis ao fortalecimento dos núcleos familiares e à fraterna convivência em comunidade.
Infelizmente, a literatura caminha ente “Senhor dos Anéis” e “Crepúsculo”. Sinto e percebo que é como se a humanidade (Brasil no meio) esperasse por bruxarias ou algum salvador da pátria, travestido de homem-morcego, para se livrar de seus males, malfeitores e mazelas, que são fruto de seu mergulho no mar tenebroso do vampirismo consentido, onde as pessoas se comportam como se estivessem sugando o sangue umas das outras, numa estranha prova de amor e companheirismo. Ou seja, a insofismável realidade é que nos metemos num caldeirão de autênticos bruxos, que através de programas de tevê do tipo BBB transformam a “lavagem” cerebral (restos de tudo de ruim que podemos imaginar e materializar) em sucesso comercial, ao passo que os vampiros da moda e de marca, “crepuscularmente”, chupam a consciência (e a sensibilidade) humana da sociedade em plena luz do dia, resultando no empobrecimento intelectual, no relativismo moral (onde tudo é permitido e aceito), na violência urbana e no sangue escorrendo pelas ruas e avenidas afora.
Cultura não é mesmo prioridade no Brasil, bastando para a comprovação dessa assertiva a realização de levantamento sobre a qualificação dos que ocupam cargos inerentes à administração cultural, que é vista pela indústria do entretenimento como um estorvo às horas de lazer, enquanto o poder público a usa para premiar correligionários que não são do ramo – muitos nunca leram um livro sequer na vida.
A tese espargida danosa e insistentemente é que a reflexão entristece e leva ao desconforto. As escolas estão recebendo alunos que não querem ler, não querem fazer lições de casa, não querem estudar. Enfim, não querem aprender, levando o cada vez mais desprestigiado professor a exercer o papel de profissional responsável por uma espécie de simples creche, onde atua como babá de crianças, adolescentes e jovens, à medida que as famílias transferem para a entidade escolar o dever inalienável de os pais educarem seus filhos.
Explicitamente, as escolas são hoje um simulacro de casa de diversão. Os alunos reivindicam de maneira desabrida uma escola divertida, que não os incomode com aulas de matemática, português, ciência etc. E ai do professor que entediar ou incomodar um aluno com a chatice imposta pela reflexão necessária à absorção de conhecimento: há sempre pais dispostos a defender o deslize comportamental de seus filhos. Afinal, vivemos numa sociedade que prima pela impunidade, onde (para a sorte dos bandidos) é proibido proibir.
Vislumbro com angústia a exigência de que todos devem buscar a fama e o estrondoso sucesso obtido pelas raras celebridades. Não entendo tal sonho de grandeza, uma vez que sabemos que a gritante verdade é que a sociedade mundial precisa tão-somente de cidadãos bem-sucedidos naquilo em que trabalham imbuídos de plena consciência social e capacidade reflexiva suficiente para não cair no engodo nem atender a apelos ou chamamentos que os conduzam ao baixo poder de análise (e raciocínio) diante da exaltação à anticultura. Um fenômeno no qual, em nome do absoluto entretenimento, se aplaudem festas desprovidas de alegria natural e embaladas ao som alucinante do fácil acesso às drogas. Chego muitas vezes a ouvir noite adentro o clamor silencioso do meio cultural por um recall isento, a fim de detectar-lhe os descaminhos que o levaram ao caminhar coxo da produção literária e intelectual.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
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