Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

Carlos Lúcio Gontijo

Estou para a literatura como o engraxate para os sapatos: sou apenas um “flanelinha” renitente, disposto a dar brilho às palavras.

Aprendemos com a nossa luta em busca de patrocínio para o nosso trabalho literário independente a não esperar muito nem culpar os que prometem e depois não conseguem efetivar seu empenho, pois não é mesmo fácil arrancar apoio para literatura em país que não vê na palavra impressa um bem cultural e pratica um ferrenho “deus-livrai-me-dos-livros”, originário do temor que os exploradores da ignorância têm de mensagens conscientizadoras e mesmo sensibilizadoras da mente humana em relação aos valores morais.
Já dissemos nesse espaço e também em nossos livros que a violência que experimentamos em todos os setores e relacionamentos humanos é advinda dos exemplos dados pelo próprio Estado, que trata os cidadãos comuns de forma arbitrária, discriminatória, excludente e preconceituosa. A vida dos mais pobres nada significa, a começar pelo salário mínimo que desqualifica o esforço dos que trabalham em atividades tidas como inferiores, mas sem as quais a sociedade não pode ficar, como é o caso dos faxineiros, dos lixeiros…
Infelizmente, para o sistema em que se alicerça a sociedade, a existência de uns é mais merecedora de benefícios e privilégios que a de outros, que são tratados como um estorvo, um dejeto, um subproduto da raça humana. Tal procedimento, assim embebido na indiferença social, fez eclodir o ovo da serpente envolta no veneno de quem, sob os maus-tratos da sociedade, aprendeu que nada tem a perder, que viver ou morrer não tem a mínima importância nem diferença. Tamanho desprezo pelo destino, tornou os bandidos brasileiros superperigosos e capazes de cometer as maiores atrocidades, porque banalizaram o significado da vida que, segundo o Estado que jamais os assistiu desde a infância, nada vale. E tome seqüestros, chacinas, assassinatos…
Prova de que os homens que ocupam postos na área pública são propagadores da violência ficou recentemente ratificada quando o governador do Distrito Federal conclamou, racistamente, uma platéia a vaiar um líder comunitário negro do PT de Brasília que faz oposição à sua administração: “Vamos vaiar esse crioulo petista”. Em seguida, no mesmo período e diapasão, o prefeito de Presidente Prudente, que tentou evitar manifestação do MST no município que administra, lamentou, durante visita a um fazendeiro preso por ter atirado em José Rainha, que a bala não tivesse eliminado o conhecido líder dos sem-terra no Pontal do Parapanema, em São Paulo.
Todavia, as elites – que cometem o engano de não cuidar da espiritualidade social através de maciço investimento em cultura, atendendo à visão neoliberal em só investir naquilo que proporciona lucro material imediato; que cometem o desatino de nada fazer em prol da melhoria da condição dos menos favorecidos, engendrando mecanismos que incrementem um efetivo processo de melhor distribuição de renda e riqueza; que não viabilizam a democratização do acesso ao ensino público gratuito de qualidade – terminam por promover uma grita geral por mais segurança, mais militares nas ruas, mais cadeias, tornando cada vez mais real a filosofia do grego Protágoras: “O Estado que não educa a criança é obrigado a castigar o adulto”.