Carlos Lúcio Gontijo
Os que nos acompanham às quintas-feiras já devem ter percebido nosso carinho (e preferência) pelos trabalhos artísticos de autores independentes não contemplados pelas páginas glaciais (raras são as exceções) dos segundos cadernos dos jornais, que tomam cultura como mera demonstração de erudição e hermetismo ou, inversamente, descambam para a divulgação de obras de baixo valor cultural, mas grande sucesso no campo da comercialização. Foi assim procedendo, que arrebanhamos amigos como José Cândido Ferreira (autor do livro Eu, candeeiro de boi); os poetas Harildo Norberto Ferreira e Mariana Luz; João Silva de Souza (com sua visão crítica em Aversão comentada); os músicos Ronaldo Lauria e Neo Gêmini (também poeta) e tantos outros.
Agora, para nossa alegria, chega às nossas mãos (e ouvidos) o CD A voz do músico, com vinte músicas compostas por Antônio Luiz Ferreira (pai do Harildo Norberto), que é popularmente conhecido como Toinzinho, eterno maestro de banda em Santana do Jacaré, cidade que entrou definitivamente em nossa história através de jovens pra lá de sensíveis ligadas àquela cidade mineira (Lívia Freire Ferreira, Ianne Carolina Ferreira da Silva e Cecília Santos Moraes) que fizeram a “orelha” de nosso 10° livro, o romance Cabine 33.
O registro musical do maestro Toinzinho não é maravilhoso simplesmente pela qualidade e singeleza das composições, mas pela união de vocal e violão, cada vez mais aprimorado, do filho Harildo com a voz do pai, em licoroso derramar de emoções, que nesse instante serve de trilha sonora, estímulo e combustível à nova empreitada que enfrentamos de disponibilização de nossa obra literária em um site já nos “finalmentes”.
Dessa forma, desde o dia em que recebemos o CD A voz do músico, temos o prazer de ouvi-lo todas as tardes, quando retornamos do trabalho, a ponto de a neta Luara já cantarolar quase todas as músicas e cantar de cor e salteado o samba “Lua de mel”, em que se misturam beleza, inocência e simplicidade, numa perfeição só viabilizada pela mente iluminada de um ser humano detentor da chama de verdadeira alma de artista. Escutando o melodioso trabalho musical do maestro Toinzinho, aprendemos que “uma criança quando dorme é a paz em estado de sono”; que “há sombras da fome no pão”, que “navegamos numa nave rumo ao desconhecido”, que ” uma traição fere a alma e machuca o coração”, que “és um pedacinho do céu, um botão de rosa, num recanto de jardim”; e que “se alguém disser que amar é pecado, meu caro amigo, então serei um pecador!”
Há, enfim, todo um clima de família (lembro de minha saudosa mãe-Betty, que, amanhã, faria, e faz, 81 anos, em nosso sentimento de eterno filho) no CD A voz do músico, o que termina nos servindo de contraponto para um tempo em que assistimos a um explícito complô contra o instituto do núcleo familiar, que, apesar dos pesares, continua como instrumento insubstituível para a construção de cidadãos dispostos a respeitar o próximo e valorizar a vida como bem maior e dádiva que não pode continuar sendo eliminada tão facilmente pela violência desenfreada, onde poucos são os espaços de ternura e sentimento para dar ouvidos a canções como as que o maestro Antônio Luiz Ferreira compôs e, agora, deixa fonograficamente registradas para a posteridade, que delas necessitará para permanecer vivendo os deuses-dará-e-não-dará da existência humana no planeta Terra.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista