Carlos Lúcio Gontijo
Gostaríamos de ter como tema os nossos próximos livros, a poesia, os nossos sonhos, mas não há ouvidos abertos à paciência ou à boa vontade de nos dar atenção. Encontramo-nos, uma vez ou outra, com acadêmicos entediados, falando sobre si mesmos e sua esperança vã de que lhes apareça um patrocínio improvável para imprimir sua obra, que no fundo é problema tão particular quanto a cadeira de imortal que ocupam em entidade de pompa intelectual, tão perene e frágil quanto qualquer outro indivíduo, inclusive os iletrados, os que nunca leram livro algum. A triste constatação é que convivemos com gente de todas as dimensões e tamanhos: grande, pequena, rica, pobre… Mas independentemente da medida, o que na maioria das vezes não existe e nos falta é grandeza de alma, de espírito, de pensamento, de atitude, de gesto.
Sentimo-nos cada vez mais impossibilitados de acesso a informações jornalísticas com pelo menos algum princípio de isenção, uma vez que noticiário assim, completamente desprovido de opinião pessoal ou de grupo, não existe em lugar nenhum do mundo, pois tomar partido é fenômeno inarredável da mente humana. Se a morte, por exemplo, fosse presságio sob a administração de governantes e poderosos que detêm as rédeas do planeta Terra, na certa haveria uma turma que teria o privilégio de vida eterna. No entanto, o imposto sobre a vida, que é a morte, se nos apresenta democraticamente perfeito e justo, pois é cobrado por Deus e recai, mais cedo ou mais tarde, sobre todos – ninguém dele escapa!
Três séculos e meio de escravidão contribuíram de maneira decisiva para que tivéssemos uma elite insensível e sempre disposta a acumular riquezas, ainda que à custa da grande maioria da população. Assistimos hoje ao surgimento de uma elite bastante perplexa, pois se antes lhe bastava o exercício da cultura materialista de juntar patrimônio imobiliário e ampliar o estoque de dinheiro em conta bancária, tirando proveito de juros estratosfericamente elevados, agora seus herdeiros têm que estar dispostos a estudar e aprender a investir na produção, em momento de grande concorrência com alunos provenientes de camadas mais pobres, que ganharam assentos nas universidades.
Podemos até questionar e apontar a existência de um enorme leque de desigualdades, mas é inegável que houve grande melhoria de renda da população brasileira, ainda que distante do ideal. Somos, particularmente, próximos de pessoas situadas no contingente de cidadãos mais humildes, amigos que tudo o que têm de seu foi adquirido nos últimos 12, 13 anos. Muitos pais, que não tiveram a menor chance de estudar, assistem na atualidade à formatura de seus filhos em instituição de ensino universitário.
Ouvimos gente da alta classe, que se esbaldava nos aeroportos vazios, tomados como uma espécie de território exclusivo de representantes endinheirados da sociedade, reclamar do excesso de passageiros – muitos sem o traquejo ou a esperada indumentária –, saudosos do tempo em que aglomeração de viajantes era paisagem somente de estação rodoviária. Pensamento parecido é levantado também em relação às estradas e cidades inundadas de veículos automotores, outra regalia que era coisa de rico, assim como um dia foram outros produtos: o rádio, o relógio, a televisão, a máquina de lavar roupa, a viagem ao exterior etc.
Recebemos em nossa caixa de e-mails, constante e diariamente, mensagens com laivos golpistas (e de cunho preconceituoso), quase sempre perpetradas por penas jornalísticas de aluguel a serviço da grande mídia e de maus políticos, aqueles que trocam as urnas pela porta dos quartéis ou, como na atualidade, mais sofisticadamente, pelas togas do Superior Tribunal Federal (STF), do qual esperam uma intervenção aos moldes de 1964, quando a democracia se vestiu de verde-oliva sob os aplausos de políticos contrariados com o resultado e os caminhos ungidos pela vontade dos eleitores.
Explícita ou implicitamente, todo o noticiário e todos os artigos jornalísticos de opinião giram em torno da luta por espaços, seja quando se discutem as cotas no ensino universitário, o programa bolsa família, a reforma agrária, a moradia, seja no tocante a agremiações partidárias, onde sobre o deserto de projetos e filosofia social cresce a erva daninha da ambição pessoal e de grupos hegemônicos, que tanto se recusam quanto lutam contra qualquer proposta que busque compartilhar, dividir e soerguer os alicerces de uma sociedade mais cristã, mais solidária e, portanto, menos injusta e capaz de mergulhar na sagrada grandeza da igualdade de tratamento.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
30 de maio de 2013