Carlos Lúcio Gontijo
“Onde estão os mágicos?/ Dormem./ E o louco dos comícios?/ Morto./ Morto o pássaro, o lírio extinto,/ calado o mar,/ o coração do homem pulsa/ sob as pedras.” (Versos do poema “Os destinos urbanos”, de Bueno de Rivera).
O poeta Bueno de Rivera nasceu em Santo Antônio do Monte e, sem favor algum, ninguém pode dizer que conhece poesia se não tiver tido algum encontro marcado, ou casual, com os versos desse poeta mineiro, simples, avesso a badalações, porém universal, por guardar em si mesmo o sentimento de mundo. Sua poesia inundada pela crueza da dura realidade que nos circunda, ilhando-nos na mais completa indiferença e falta de prática do cristão amor ao próximo, vem-me à mente constantemente.
Na noite de 23 de janeiro de 2014, uma quinta-feira, caiu intensa chuva em solo santo-antoniense, alagando o auditório do Centro de Turismo e Cultura João Robson de Castro (CETUC), que naquela oportunidade já contava com a presença de um público de cerca de 60 pessoas, que ali estava para assistir ao show da orquestra de cordas, que é comandada, com dedicação e competência, pelo professor Igor. A lâmina d’água subiu uns 20 centímetros, levando por água abaixo o sonho de jovens músicos que se prepararam semanas, sob a esperança de viver um inesquecível momento.
Recebi a notícia em casa às 21 horas e, preocupado com o problema que teria que enfrentar no dia seguinte, pouco consegui dormir. O feixe de agruras vinha de minha responsabilidade para com aqueles que se entregam ao trabalho cultural. Sabia que o professor Igor havia programado quatro dias de shows musicais e todo o seu esforço se achava sob enorme risco, caso não encontrássemos uma rápida solução.
Bati, sem resposta, em algumas portas. Nem mesmo um telefonema de solidariedade, ou mera curiosidade, de quem, através de meu pedido de socorro, tomou conhecimento do incidente. O jeito foi juntar as ferramentas com as quais podia contar, recolhendo com o prodigioso dedal da persistência o mar de água que tomou assento no auditório do CETUC. Dessa forma, convoquei mãos à obra as três faxineiras que prestam serviço à Secretaria de Cultura, que foram espontaneamente auxiliadas pelas funcionárias da Biblioteca Bueno de Rivera, numa união de boa vontade e sensibilidade perante o aguaceiro instalado em recinto público que tinha tudo para ser instrumento de abrigo e fomentação da cultura santo-antoniense.
Saliento aqui (e faço questão em fazê-lo) a demonstração de solidariedade do professor Igor e pai de aluno, que cuidaram de providenciar a imediata instalação de cano, com o objetivo de melhorar o escoamento de água de chuva no local, dando exemplo explícito de que a comunidade tem muito a contribuir com toda e qualquer administração pública, que pode bastante, mas não pode tudo.
Saí do imbróglio com resposta pronta aos versos supracitados do poeta Bueno de Rivera: os mágicos existem e podem, verdadeiramente, ser despertados, como aconteceu no caso daqueles que me ajudaram a “enxugar” o auditório do CETUC… No entanto, sou obrigado a admitir: há muita gente que, sob pedras, pulsa!
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
28 de janeiro de 2014.