Carlos Lúcio Gontijo
A morte do Joaquim do Zé Ernesto, também conhecido como “Joaquim Goleiro”, que ouvimos hoje pela manhã, dia 16 de janeiro, anunciada por um carro de som, quando nos dirigíamos ao prédio da Estação Cultura Viva, aqui em Santo Antônio do Monte, nos provocou enorme tristeza e imediatamente nos remeteu ao lançamento do calendário cultural 2014, ocorrido no dia 18 de dezembro de 2013, sob o tema Flamengo e Nacional das décadas de 1960 e 1970, que mexeu com a memória emocional e coletiva dos que habitam a cidade.
Naquela ocasião, visivelmente feliz com a homenagem, o humilde e simples Joaquim fez uso da palavra e, surpreendentemente, transportou espontânea sinceridade ao coração das pessoas, que prestigiaram o evento realizado no Casarão Pizzaria e logo perceberam a grandiosidade da iniciativa cultural. De microfone na mão, o goleiro de cabelos brancos derramou, em fala mansa e emocionada, as suas lembranças.
Revelou Joaquim que o pai queria por que queria alguém da família jogando futebol no Flamengo. Pediu ao filho, jovem que vivia exclusivamente para o trabalho na marcenaria, que fosse pelo menos tentar a sorte. Joaquim treinou no ataque e não deu; foi ser meio-campista e em nada resultou; recuou para a defesa, mas os atacantes o driblavam facilmente… Daí então, só lhe restou a posição de goleiro, onde a concorrência era menor.
No início, era facilmente vencido, mas o tempo passou e ele foi firmando-se debaixo dos três paus. Comia seus frangos e perus, mas pegava algumas bolas difíceis também. Depois, chegou uma ocasião em que o famoso goleiro Miltinho morreu em acidente no alto-forno que havia em Santo Antônio do Monte, enquanto outro arqueiro se mudou da cidade, restando apenas o Joaquim, que passou a ser o sonho de consumo tanto do Flamengo quanto do Nacional, com o qual assinou um contrato que a direção flamenguista fez de tudo para desmanchar.
Carregado de pura sensibilidade humana, o microfone da memória permanecerá ecoando a voz do nosso “Joaquim do Zé Ernesto” para sempre em nossos ouvidos, impregnando-nos de certeza no tocante à necessidade de não adiarmos a prestação de homenagem a quem a mereça; de premiar e estender loas a quem faça jus ao explícito reconhecimento ainda em vida e, principalmente, vislumbrar nos segmentos menos favorecidos da população a porção de reserva moral que resta à sociedade, como tão bem provou (e comprovou) o calendário cultural que a administração municipal santo-antoniense, através da Secretaria de Cultura e Turismo, distribuiu gratuitamente, registrando uma época inesquecível e, ao mesmo tempo, valorizando os desportistas do passado, que proporcionaram alegria e lazer à comunidade, num tempo sem televisão, poucos automóveis, sem computador e sem celular, mas com gente de verdade como o “Joaquim Goleiro”, que no calendário está numa foto do Flamengo, que ilustra o mês de maio, para o qual a frase grafada é: “As mães são como um grito de GOL nas REDES de nosso coração”.
Adeus ao corpo físico de nosso amigo Joaquim do Zé Ernesto, que como qualquer um de nós, neste mágico e breve jogo da vida, se viu diante de lance indefensável: o Criador o colocou na marca do pênalti e o arremessou, com toda a potência de seu sopro divino, na direção dos mistérios do infinito e dos prometidos campos de luzes do paraíso celestial, nos quais todo espírito renasce e floresce – onde Joaquim é goleiro novamente!
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
16 de janeiro de 2014.