Carlos Lúcio Gontijo
A poesia é uma espécie de cerâmica que teço com as fibras do barro buscado em mim. Sou filho de pantaneira e trago no âmago muitos alagados a umedecer meu caminhar pelo chão duro desta vida.
Os olhos de minha mãe que partiu ainda repousam em mim, cuidando dos meus passos pelas barrancas dos araguaias que estão a mancheias por onde ando. Às vezes, padeço nas cheias e, outras vezes, sofro com o longo estio, ciente de que a existência é pavio dependente de minha própria chama.
Há dias em que baixo a guarda e perco o sentido desse meu digladiar contra as injustiças mundanas, pois tudo parece, repentinamente, em vão diante de tanto malfeitor cantando razão e poder material.
Nada me move com tamanha intensidade como a viração de um verso, que acolhe as velas de minha indignação quanto à maldade crescente, perpetrada por gente que se afastou do sentimento e rasgou a seda da ternura com a faca cega do desamor.
Fomos arruinados pela tese de nos descobrir olhando para nós mesmos, como se assim encontrássemos alguma paisagem nova no abismo da realidade daquilo que somos individualmente, em vez de nos completarmos com as qualidades dos que nos rodeiam no plano coletivo.
Há a propagação de uma busca inútil a exigir de nós o milagre egoísta de termos tudo em nós mesmos, como se estivéssemos caminhando rumo a uma moderna solidão, onde cada um de nós se contentaria consigo mesmo, numa definitiva construção do hedonismo desmedido, no qual todos proclamariam: “eu me basto!”
Aprendi com as águas dos pantanais que me habitam a contornar os problemas – as tais pedras do caminho – e, dessa forma, eu não me disponho a lutar contra o que não tem juízo e nunca terá, ou contra o que não tem vergonha e nunca terá. A solitária comunicação virtual me dá certeza plena de que, se a ignorância não venceu, ela está bem perto de conquistar a vitória sobre a razão e a inteligência.
Todavia, alguma coisa em mim é maior que a desesperança e me impulsiona a continuar, sem sequer pretender contabilizar seguidores. A meta é exclusivamente desaguar os alagados de minha poesia, antes que eu tenha um ataque “cardioversoscular” – uma doença proveniente de versos contidos.
Sábado passado, véspera do Dia das Mães (9 de maio de 2014), quando a insana vaidade de gente importante sem significado algum me incomodava, deparei-me com insólito e-mail de uma empresária (Arianne Silvério), enviado através de meu site, no qual a empreendedora me indagava sobre a possibilidade de eu fazer um poema para o lançamento de marca de nova cachaça: “Maria Andante”.
Aceitei o desafio e me pus a trabalhar nos versos, sob o pensamento de que a poesia é mesmo a minha cachaça e aquela surpreendente solicitação veio apenas para me confirmar o meu inebriado dom poético.
Pois bem, completamente entregue ao alambique festivo da criação, engenhei os versos moendo a doce cana das palavras. A produção agradou a empresária distante, que me remunerou, abriu espaço para o meu trabalho literário no site de sua empresa e grafará o poema MARIA ANDANTE na embalagem da cachaça: A vida pertence a quem a amargura rechaça/ Toma com alegria um gole de boa cachaça/ Envelhecida no carvalho de fama curtideira/ Onde por sete anos é guardada na madeira/ Para depois esquentar o peito do viajante/ Sonhando encontrar sua MARIA ANDANTE…
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
17 de maio de 2014.