Carlos Lúcio Gontijo
O setor público caiu em incomensurável armadilha ao criar inúmeros instrumentos de defesa para os funcionários públicos, sob o objetivo de defendê-los das idiossincrasias da classe política, que tomou – para si mesma – a pecha de injusta (além de perseguidora) e se esmerou em legislar dentro desse prisma, ao invés de corrigir suas corrosivas práticas antidemocráticas. Contudo, hoje perguntamos nós: quem defende o setor público, cada vez mais coisa de ninguém, do mau funcionário?
Amigo nosso de longa data, jornalista e escritor bem-sucedido, confidenciou-nos que, ao decidir aceitar convite de prefeito, ao qual conheceu no transcorrer da dura labuta do exercício da atividade jornalística, deparou-se com problemas que seriam facilmente resolvidos no setor privado, onde o trabalhador ruim, sem espírito de grupo e predisposto a não cooperar simplesmente não tem vez: é indenizado e mandado embora. Pois bem, na área pública não é assim! E livrar-se de gente concursada, que nem no período probatório, quando hipoteticamente poderia ter sido descartada, demonstrava algum pendor à dedicação ou desejo de comprometimento com a função exercida, não é tarefa das mais fáceis.
Num ambiente assim adverso, onde os bons costumam ser tragados ou ter a imagem maculada pelos trabalhadores mergulhados na filosofia do “mulato inzoneiro”, cuja reconhecida ocupação é fazer hora e agir, prontamente, apenas em prol do estabelecimento do “destrabalho”, torna-se impossível não se deixar submeter-se às regras do sistema perverso. Nosso bom amigo do mundo das letras imediatamente percebeu que ali não teria vida tranquila, pois logo de início encontrou funcionário que se lhe apresentou como responsável pelo site da prefeitura e que, sem mais nem menos, destilou seu menosprezo, afirmando que não tinha referência alguma sobre ele, ou seja, não sabia nada em relação ao secretário que, humilde e educadamente, procurava conhecer as pessoas que compunham a sua pasta administrativa.
Claro que o experimentado jornalista percebeu que era um estranho no ninho – e que ninho! – e que o tal funcionário não queria nada com ele (e nem com ninguém), tratando-se de pessoa que desenvolveu conturbado estilo comportamental e gostava, imutavelmente, de ser do jeito que era. Não fosse o tamanho da viseira que mantinha na face, não cometeria a desfaçatez explícita de dizer o que disse. Afinal, o aludido funcionário era o mentor técnico do site do município, no qual o então secretário contava com a inserção de farto material, o que evidentemente lhe causou perplexidade e surpresa, levando-o à opção pelo ensurdecedor grito de silêncio perante o descalabro, numa decidida aceitação do fato como ocorrência de pouco significado diante dos horizontes de escassez de luz que ele observou à sua volta e que o conduziram a se demitir em apenas 90 e longos dias.
O nosso amigo, agora ex-secretário, não quer nem mais ouvir falar em serviço público, passou a acreditar que, administrativamente, todos os municípios brasileiros têm algo a ver com o enredo de corrupção, ignorância e sórdido jogo de influência da inesquecível Sucupira, cidade fictícia e palco central da novela “O bem-amado” (primeira encenação em cores da televisão brasileira, apresentada em 1973 e reprisada em 1977, pela Rede Globo), escrita por Dias Gomes, que eternizou o talento do ator Paulo Gracindo. Sua decepção foi tamanha que passou a incluir todo o povo governado em suas orações, ciente de que existe uma engenhosa entidade burocrática na qual o mais competente e capaz é frequentemente substituído pelo mais esperto e sagaz, enquanto o rabo espúrio de toda a espécie de aproveitadores abana o cachorro roto da democracia, sob o olhar enigmático da esfinge indecifrável do setor público!
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
8 de junho de 2013