Carlos Lúcio Gontijo
Dentro do ambiente social em que vivemos, no qual é proibido proibir e, em nome da liberdade, igualamos o comportamento inapropriado ao procedimento correto e profícuo, como se não houvesse qualquer diferença entre o bem e o mal, confundindo direito à liberdade ao acinte da libertinagem, não há como projetarmos qualquer horizonte de melhoria, pois obrigação e dever não passam de meras palavras, onde ações perniciosas, ou dilapidadoras de valores em que se alicerça a sociedade, agem impunemente, recebendo salvo-conduto como se trouxessem algum benefício ao aperfeiçoamento do sistema democrático.
Rosângela Brasil Gontijo, poetisa de alma banhada em sensibilidade, a pedido e cortesia de sua querida mãe Dalca, passou-nos vários exemplares de antigos jornais, que circularam na cidade de Santo Antônio do Monte. Jornalista que somos, debruçamo-nos maravilhados sobre os textos, que em bom português expõem com exatidão a vida da gente santo-antoniense daqueles tempos que não voltam mais e, todavia, nos ajudaram (e ajudam) a ser o que somos.
No meio de tantos assuntos, deparamo-nos com uma matéria intitulada “Combate ao analphabetismo – A Polícia na Insttrucção Pública”, editada pelo jornal PORTA-VOZ, numa edição de 4 de março de 1928, ostentando o seguinte texto: “O sr. Dr. Inspector Escolar do município dirigiu ao sr. Delegado de polícia officio para o qual abrimos espaço:”
“Inspectoria Escolar do Município de Santo Antonio do Monte, em 23 de fevereiro de 1928.
Illustre cidadão, com satisfação levo ao vosso conhecimento, que de accordo com o disposto no art. 32 do Regulamento do Ensino Primário em vigor, cumpre-vos deter e conduzir à presença desta inspectoria ou da derectoria do Grupo Escolar, os menores de 7 a 14 anos que forem encontrados vadiando nas ruas e estradas durante as horas de escola.
Funcionando o Grupo local em dois turnos, um pela manhã e outro à tarde, não é diffícil à criança mais arguta, para escapar à vigilância da polícia, allegar que freqüenta o turno da manhã, si for encontrada à tarde e vice-versa.
Para isso esta inspectoria chama a vossa esclarecida attenção, fazendo-a conduzir, em qualquer hypothese, à presença da autoridade escolar.
Encareço-vos recommendeis aos vossos auxiliares a solicitação que venho de fazer, pois não é outro intuito do nosso actual Governo que não o de diffundir a instruccção ao nosso povo, combater sem tréguas o analphabetismo, para que possamos, in posterum tempus, dizer bem alto do nosso progresso de civilização.
Meus protestos de elevado apreço e distincta consideração.
Ao Illmo. Snr. Delegado de Polícia do Município.
Áureo C. Leite – Inspector Escolar”.
Não nos deixamos levar por mínima dúvida que seja, no tocante à certeza, de que medida desse porte e naipe está completamente descartada em nossos dias, quando a violência das ruas invadiu as escolas, as quais abrigam alunos superprotegidos pelos pais, em muitos casos distantes e decididos a visualizarem as instituições de ensino como simples depósitos de crianças, onde deixam seus filhos enquanto vão cuidar de ganhar o pão nosso de cada dia.
Foi-se a época em que diante de um problema ocorrido em sala de aula, os pais pegavam o filho pelo braço para ir à escola tomar ciência do que ele fez… Hoje, pais e mães se dirigem à escola no intuito de saber do mau procedimento da professora ou do professor, uma vez que seus filhinhos e filhinhas são verdadeiros anjos expostos a professores desprovidos de competência e completamente incapazes de entender a angelical diabrura moderna, perpetrada por alunos predispostos a não aprender e que se colocam acima de seus aturdidos mestres, pois lhes bastam a internet e a parafernália tecnológica que têm à disposição em suas casas, ainda que as usem sem sabedoria e com toda a ignorância que lhes é ministrada por uma sociedade que confunde exercício de autoridade e inscrição legal de limites, direitos e obrigações com autoritarismo e ofensa aos princípios democráticos, que sob o manto da hipócrita filosofia do corretamente político ficam cada vez mais ao relento e indefesos diante dos inimigos da fraterna e harmônica convivência social.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
10 de junho de 2013