Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

Carlos Lúcio Gontijo

Confessamos aos nossos casuais leitores o nosso desânimo diante desse Brasil movido a interesses cada mais inconfessáveis e escusos. Abrimos os jornais e nos deparamos, por exemplo, com jornalistas que a vida inteira posaram de esquerdistas ou progressistas e que, por ter algum emprego público, mudaram de lado, pela simples taxação dos inativos. Pobres coitados, não sabem ou fingem desconhecer a existência de um tal “fator previdenciário” que pune todos os aposentados e pretendentes a aposentadoria pela previdência pública, onde ninguém consegue aposentar-se pelo baixo-teto de R$2.600,00. Insensível e descompromissadamente, o governo, através do INSS, calcula a aposentadoria pela média extraída das 60 contribuições mais elevadas e, para completar o corte profundo, ainda aplica um redutor de cerca de 20%, segundo a perspectiva de vida do brasileiro medida pelo IBGE. E, assim, trabalhadores que passaram a vida inteira derramando suor e sangue para sustentar e criar os filhos são ludibriados, espoliados pela nação em que nasceram.
Todavia, como isso acontece com a maioria, não faz mal, não tem importância, o que conta no Brasil é a defesa dos privilegiados, daqueles que tudo têm e tudo podem. Para não irmos muito longe, é bom que não nos esqueçamos de que foram homens de estilo severino-cavalcantiano (presidente da Câmara dos Deputados graças ao misto de deslumbramento e arrogância dos petistas na condução da nau do poder), alguns mais ou menos ilustrados intelectualmente – porém com idêntica mentalidade – que comandaram, ou melhor, clamaram pelo golpe militar de 1964, que, como sempre acontece no Brasil, foi fruto da incompetência das elites dirigentes que, percebendo a perda do controle sobre os seus próprios desmandos, convocaram o Exército para agir em prol da ordem (sinônimo de povo desassistido na fila) e da preservação das chamadas instituições democráticas, que na realidade não passam de cartórios regulatórios da eternização das diferenças sociais estabelecidas no Brasil pelos que alçam seus interesses sempre acima dos anseios da imensa maioria.
Não estamos mais dispostos a lutar contra a macroinjustiça, mas a afirmar, com toda a energia de nosso coração, que o centro do início de todas as mudanças está à nossa volta, no combate às injustiças que nos são próximas. Precisamos buscar um relacionamento mais justo em nossos locais de trabalho, confraternizar com nossos vizinhos, dar novas cores à nossa casa, ao nosso apartamento, nosso condomínio, nossa rua, nosso bairro, nossa cidade… A experiência nos indica que a prática da filosofia alicerçada no levar vantagem em tudo só perecerá à medida que não aceitemos, em nossos círculos de convivência, o conformismo de assistir ao mais esperto atropelar o mais competente, transformando sagacidade e “malandragem” em predicados substitutos de capacidade e inteligência. Definitivamente, não podemos continuar na condição de simples carne viva à disposição dos abutres de terno e gravata, doutores em usurpação e civilizadas torturas, com as quais nos impõem a “ordem-e-progresso” baseada no alijamento da imensa maioria da população de todos os bens e serviços, a fim de que os “Tio Patinhas”, acintosamente, mergulhem em fartura e riquezas nababescas.

Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista