Carlos Lúcio Gontijo
Nos anos 2002/2005, presidimos a Associação Mineira de Imprensa (AMI), quando tivemos contato com a escritora mineira Alaíde Lisboa, autora do imperdível “Bonequinha Preta”, lançado em 1938 e que, até o ano de morte de sua criadora (2006), então com 102 anos, havia vendido mais de um milhão de exemplares. Alaíde Lisboa dá nome à biblioteca da AMI, o que motivou o nosso encontro amigável e inesquecível em nossa mente, que tatuou na lembrança a imagem daquela figura simples e humilde, apesar de detentora de fulgurante talento.
Alaíde, que nos foi apresentada por Pedro Rabelo Mesquita, jornalista e bom amigo, solicitou-nos que a levássemos até o teatro da AMI. Demos-lhe o braço e a auxiliamos na descida das escadas. Ela parou diante do tablado, como quem estivesse a transportar para o palco do presente imagens e cenários do passado. Puxamos assunto, dizendo que conhecíamos gente do mundo teatral que não gostava de maneira alguma de poesia e, sem pestanejar, Alaíde Lisboa nos respondeu, em voz mansa e terna: “Meu filho, na certa não é boa no que faz, pois teatro exige ritmo, sonoridade nos passos, nos gestos e na fala, predicados encontrados fartamente na poesia”.
E como tinha razão, aquela senhora banhada na riqueza da mais pura sensibilidade! Em seguida, com a mesma sabedoria, acrescentou: “Nada mais difícil que fazer poemas de verdade; daqueles cheios de metáforas, nos quais podemos notar a alma estendida do poeta”. Recordo-me bem de assistir à sua mão espalmada passando, delicadamente, sobre a placa afixada na entrada da sala da biblioteca, em silencioso (e caloroso) agradecimento digital.
Hoje, quando nos preparamos para a impressão de nosso 16º livro, vivenciando tantas pessoas embebidas em orgulho desmedido e tolas vaidades, reafirmamos nossas juras de respeito e fidelidade à nossa própria trajetória, marcada pelo exclusivo compromisso com a literatura, à qual servimos como o operário de uma montadora de veículos, sob a absoluta consciência de que somos apenas parte de uma grande engrenagem – no caso, o conjunto do meio literário.
Ao sermos empossados em posto de secretário de cultura, implantamos imediatamente o “Projeto Leitura Premiada”, que consiste em premiar leitores que elaborarem as duas melhores sínteses do enredo de livros lidos por eles e, obrigatoriamente, retirados na Biblioteca Bueno de Rivera. A entrega dos trabalhos tem encerramento marcado para o dia 2 de outubro, enquanto a premiação dos vencedores acontecerá no aniversário da cidade (15 de novembro), com R$1.000,00, para o primeiro colocado; e R$500,00 para o segundo, num patrocínio do “Credimonte”, que vislumbrou a importância do projeto, como forma de incentivar a leitura em Santo Antônio do Monte.
Infelizmente, tais programas são tratados como intervenção administrativa de baixo significado e sequer ganham a devida divulgação. Ainda recentemente, a Biblioteca Bueno de Rivera acrescentou 500 livros ao seu acervo, instalado em ambiente apropriado e raro neste Brasil, onde o gosto pela leitura não encontra o efetivo encaminhamento, lastreando a construção de analfabetos detentores de diplomas de ensino médio e até universitário, que desprovidos da sensibilização promovida pelo frequente contato com as temáticas literárias, se tornam profissionais distanciados do indispensável calor humano. Daí, os médicos que nada curam, os advogados que não advogam e os engenheiros de frágeis engenhos!
Cultura de fato, enraizada no chão dos valores que norteiam a convivência em sociedade, não é notícia, uma vez que a opção editorial é pela indústria do entretenimento, montada em palco iluminado, do qual partem sons dissonantes para embalar o teor de alucinação produzido pelos vícios da plateia. Da nossa parte, poeta menor em meio às dores do mundo, só nós resta nos recolhermos às nossas limitações expostas no rodapé de página de um veículo de comunicação qualquer.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
02 de agosto de 2013