Carlos Lúcio Gontijo
Os escritores, poetas, músicos, atores, pintores, escultores e artesãos que tecem produtos e bens culturais travam uma luta constante contra a indiferença oficial, uma vez que o Brasil sequer dispõe de política capaz de abrigar os agentes culturais como um todo. A Lei Rouanet, reconhecidamente, termina por se transformar, ao longo de seu processo, em fator de distanciamento ainda maior entre artistas de renome, fama e prestígio e os autores que buscam um lugar ao sol, pois a decisão sobre o produto cultural a ser patrocinado é sempre do conglomerado comercial, que logicamente opta por investir em elemento com prestígio junto à mídia e capaz de dar mais visibilidade à sua logomarca.
Diferentemente de qualquer outra área de atividade, a cultura não tem como forçar presença de adeptos, pois não lhe interessa montar plateia de cabresto, movida por alguma imposição ou sorteio de bugiganga material. Todo autor sofre ao ver seu livro nas mãos de quem jamais o abrirá, ainda que adquirido. Ou seja, muitas vezes é melhor fazer o livro chegar a nicho de possíveis leitores, que simplesmente buscar consumidores sem tinta nem verniz cultural.
Hoje, mais que antes, percebemos que a burocracia embutida nos órgãos de gestão da cultura não é mesmo lugar para intelectual, pois ali costuma ser o local em que menos se fala de cultura, dada as preocupações com patrocínio e, no caso de se ter bens culturais tombados, ainda se vê diante da papelada relativa ao recebimento do ICMS/Cultural, que clama por ações em prol de posterior recebimento de recursos sempre aquém do montante para suprir a agenda das solicitações. E, se no bojo de tais normas e nomenclaturas burocráticas, não houver visão de outras necessidades prementes da “cultura viva” de cada localidade, as tradições cultuadas nos museus passam a correr o risco de não ser mais elaboradas no presente, por absoluta falta de apoio financeiro. Ademais, o agravante de tudo é que os que assim procedem se alçam à condição de estar fazendo cultura de elite. Mas de que elite, perguntamos nós?
Cidades há em que, diante de casarões tombados e bem conservados, a cultura local assiste a palcos no chão, com seus artistas sem qualquer incentivo ou oportunidade de apresentação. Depois de tantos anos na lida literária, somos levados a crer que, literalmente, cabe aos que usam os cinzéis das mãos e da mente na produção de bem cultural tanto a missão de criar, quanto de dar o primeiro passo na materialização de seu idealismo, no efetivo exercício de seus dons artísticos.
Os exemplos de ação individual multiplicadora são muitos no âmbito da cultura distante dos parques de exposições e das tais praças de evento, onde a indústria de entretenimento se nos é apresentada como se cultura fosse. Em Sabará, o iluminado idealismo do jovem Marcos Túlio Damascena o levou à criação da “Borrachalioteca”, que hoje recebe amplo e merecido reconhecimento. Enquanto na periferia de São Paulo, o poeta Sérgio Vaz criou uma cooperativa, que deu oportunidade de edição a escritores e oportunidade aos leitores de ler trabalhos literários marcados pela linguagem de sua própria gente. Sérgio Vaz se encaminhou para essa iniciativa de cunho cultural há 12 anos, quando juntou 15 pessoas num sarau. Atualmente, ele reúne cerca de 200 pessoas, o que pode parecer pouco aos olhos dos especialistas na promoção de megaeventos (principalmente em se tratando de uma metrópole como São Paulo), mas para a cultura verdadeira é uma multidão, pois a ideia é sempre a formação de público – aquele que para a cultura se encaminha, espontaneamente, ao feitio da água para o mar.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
09 de agosto de 2013