Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

            Carlos Lúcio Gontijo

       É cada vez mais difícil falar em cultura de raiz, alicerçada em arte que nos ilumina o caminho e enleva o nosso espírito, montando palco no chão da alma de cada um de nós. Não é minimamente justificável nem legítimo que artista de sucesso construa sua riqueza através do patrocínio público de seus shows, com os pequenos e médios municípios promovendo sangria desatada em seus cofres, para garantir a presença das atrações do mundo do entretenimento em suas famigeradas feiras de exposição e praças de eventos, que não trazem benefício cultural algum, pois no dia seguinte à sua realização a abandonada Secretaria de Cultura, por exemplo, não dispõe de recurso sequer para a compra de palhetas para a banda de música local, que forma novos instrumentistas e garante a tradição de acompanhamento musical nas procissões da Semana Santa, nas cerimônias cívicas ou festivas, semeando e costurando cultura efetiva no tecido social.

       Tomamos conhecimento, por intermédio de interlocutor de confiança e boa formação intelectual, que o município de Arcos, onde a Pontifícia Universidade Católica mantém em funcionamento uma de suas unidades, contratou show de Milton Nascimento e enfrentou problema de atração de público, pois a indústria de entretenimento impregnou na mente da juventude que todo trabalho artístico capaz de mergulhar o pensamento nas profundezas da reflexão é pesado fardo contrário à busca de lazer, não salvando dessa despropositada premissa nem os universitários, que se nos apresentam seduzidos pela moderna toada sertaneja, que não tem ligação nem proximidade com as antigas modas caipiras.

       A Lei Rouanet, perversamente, continua agravando seus efeitos danosos, ao contribuir para o surgimento de uma política que atrela os destinos da cultura aos desígnios da indústria e do comércio, com os senhores do capital optando quase sempre por patrocinar produções culturais que mais rapidamente possam incrementar as suas vendas. Ou seja, o compromisso com cultura de qualidade é praticamente zero.

       Estamos nos preparando para a edição de dois novos títulos e uma segunda tiragem de livro infantil (Duducha e o CD de Mortadela), que será distribuída gratuitamente a escolas do ensino fundamental, por uma exigência de nosso idealismo, para o qual apenas a doação pode abrir-nos novos espaços à criação e ânimo diante da desoladora realidade anticultura que nos rodeia e é propagada com alguma finalidade inconfessável, talvez até como estratégia de dominação, pois é sempre mais fácil dominar gente consumidora de lixo cultural.

       O jornal “Hoje Em Dia” divulgou notícia nos dando conta da queda nos patrocínios em Minas Gerais, assinalando que as duas maiores empresas no exercício da prática mecenas no tocante às artes em solo mineiro (Usiminas e Vivo) baixaram em muito os seus investimentos no setor, o que leva à previsão de que em 2014, ano de Copa do Mundo, o panorama será ainda pior para a cultura.

       Inequivocamente, escrever livros no Brasil é um ato de resistência, de verdadeira teimosia e de consciência de que ninguém virá em socorro do autor. Como versejou Cecília Meireles, “Não sou alegre nem sou triste/ Sou Poeta”. Ou como nos ensinou em sua prosa o inigualável Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!” E a única maneira de alcançarmos o esperado voo cingido pelo conhecimento e pelo contentamento da sensibilidade em relação ao sentimento coletivo é priorizando a apresentação de cultura construtiva no palco do chão da alma.

       Carlos Lúcio Gontijo

       Poeta, escritor e jornalista

       www.carlosluciogontijo.jor.br

      13 de agosto de 2013