Carlos Lúcio Gontijo
Livros no prelo e decepções ardendo na pele. Não há muito para intelectual bem-intencionado realizar na atual conjuntura de preferência cultural pelo grotesco, a não ser continuar produzindo, enquanto habitante de país que optou por promover educação desatrelada da educação, construindo um panorama de absorção de conhecimento sem a proteção da moldura da sensibilização tecida pela cultura.
Meu velho pai, José Carlos Gontijo, do alto de seus 89 anos, não se cansa de me perguntar sobre placa que ficava ao lado do prédio da Estação, aqui em Santo Antônio do Monte, na qual era registrada a altitude (mais de 900 metros acima do nível do mar), a latitude e a longitude, como se eu, mero secretário de cultura, pudesse restabelecer os dados indicativos de direção retirados por algum desnorteado disposto a disseminar descaminho a todos os seus semelhantes.
O desânimo que me vem é muitas vezes proveniente da constatação de que, quando se trata de cultura, há muita gente suficientemente insensível e inculta, ainda que esteja atuando na área cultural, capaz de subtrair placas ou mesmo sonegar informações e jogar pedras na trilha estreita dos que, idealisticamente, batalham para trazer à tona os seus trabalhos artísticos, musicais e literários. A pedra que o poeta Carlos Drummond dizia estar no meio do caminho permanece lá – inarredável!
Fiz a mais absoluta questão de acompanhar de perto a tradicional Festa do Reinado, nos dias 15, 16, 17 e 18 de agosto, momento em que pude conviver com uma autêntica manifestação cultural, onde a fé tem como terço o som do tambor, a alegria e a dança dos que participam do congado, num louvor prontamente acolhido pelo Criador.
É bastante animador manter alguma proximidade com a labuta e o envolvimento dos que constroem a grandeza da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, onde o trabalho voluntário é exercitado com o mais abrangente desprendimento, traduzindo inequívoca lição no que diz respeito à união e extremo sentimento de que nenhuma parte, por mais importante que seja a sua função, pode cair na destrutiva pretensão de ser maior que o todo, abandonando o imprescindível conceito de grupo.
Nitidamente, na Irmandade do Rosário não há espaço para o individualismo e o deslumbramento com tolas e improdutivas vaidades, pois ali todo trabalho é digno e toda ação é benfazeja, pois o objetivo nuclear é alcançar o sucesso dos irmanados – a abençoada fonte geradora do caloroso e uníssono Salve Maria!
A Festa do Reinado, evento que atrai um imenso número de pessoas, não precisa contar com seguranças nem deixa em alerta os policiais, sendo realizada sob o signo da paz e da tranquilidade banhada no vinho santo da confraternização. Exemplo sublime de cultura, o Reinado se encontra infinitamente distante da supérflua indústria de entretenimento, uma vez que tem a tradição como raiz, a sensibilidade como altar a lhe possibilitar a unção do conhecimento e a devoção aos mistérios da fé e dos Céus a lhe iluminar os horizontes da fraternidade: fenômenos (e fatores) que nos conduzem, se banhados no suor de nosso racional empenho, a um salvador e miraculoso Salve Maria!
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br
21 de agosto de 2013