Carlos Lúcio Gontijo
Marcar presença no curto espaço de tempo que nos é concedido pela dádiva de viver no planeta Terra é fenômeno raro e cada vez mais difícil de acontecer, à medida que avança o individualismo, no qual a lógica é privilegiar a si mesmo, sem qualquer senso coletivo ou observação ao bíblico e cristão amor pelo próximo.
Dia 14 de dezembro, faleceu Joaquim Batista de Oliveira, empresário de sucesso, mas que marcou sua existência por ter sido dono de cinema que funcionava em prédio da Prefeitura de Santo Antônio do Monte, que hoje abriga as sessões da Câmara Municipal.
Por toda a vida, mesmo após seu afastamento do ramo de exibição de filmes, era popularmente conhecido como o “Sô Joaquim do Cinema”. Ou seja, a atividade possuía tanta importância na composição do lazer das famílias santo-antonienses nos anos de 1960 que os cidadãos passaram a considerar a pessoa que tomou para si a responsabilidade de alugar sala para exibição cinematográfica uma espécie de legítimo benfeitor. E foi sob o manto da luz dessa distinção e reconhecimento social que a misteriosa mão do fim da vida veio colher seu espírito, para renovar a película de sua alma, fazendo-a renascer nos miraculosos telões da vida eterna dirigidos pela sabedoria do Criador.
Santo Antônio do Monte faz parte do enredo da minha literatura e da essência intelectual que erigi através da convivência com a sua gente. Foi numa máquina de escrever portátil com que o Padre Paulo Michla me presenteou, quando ainda criança eu era, que aprendi datilografia, municiando-me com a necessária ferramenta, para mais tarde seguir carreira profissional de jornalista.
Mulheres e homens como Padre Paulo; Dr. Wilmar de Oliveira, com seu bisturi embebido nos sagrados licores do sacerdócio e da caridade; Maria Angélica de Castro, com sua dedicação de educadora; Bueno de Rivera, um dos maiores poetas brasileiros, que me concedeu a honra de prefaciar um dos meus livros e, ainda por cima, me dar conselhos que fortaleceram a minha trajetória de escriba menor; Clélia Souto, a minha primeira professora, que me ensinou a plena entrega a uma causa; o Sô Bem, folclórico louco das ruas santo-antonienses, que lúcida e belamente, assentado numa esquina qualquer, recitava Camões; e o Sô Joaquim, que com a sua acolhedora sala de cinema me deu a oportunidade de ter acesso à cultura cinematográfica, que naquela pequena e bucólica Santo Antônio do Monte tinha o poder de dar asas aos meus sonhos de criança e pré-adolescente, num tempo em que tudo passava devagar, gerando meios de a gente enxergar mais e assim, guiado pela sensibilidade, construir na memória uma galeria em homenagem e gratidão aos cidadãos que, espontaneamente, propiciaram algum benefício à comunidade, por intermédio de seu exemplo, sua atividade cotidiana e seu trabalho.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
16 de dezembro de 2013