Carlos Lúcio Gontijo
A grande mídia tomou para si, há anos, o papel de oposição política ao governo e cada vez mais deixa a prática do bom jornalismo de lado. A cada movimento reivindicatório sanguinolento mundo afora, o espelho da cobertura é ampliado num incontido desejo de que o fogo da revolta se alastre na sociedade brasileira, independentemente de os dados socioeconômicos nacionais não terem nada a ver com as nações às voltas com levante popular.
Sob o ponto de vista legal, as emissoras de rádio e televisão são uma concessão de fundamento público e deveriam, em contrapartida, prestar serviços adequados à sociedade no que diz respeito à informação, à educação e à cultura, contribuindo para a eliminação de fatores de discórdia e de desvalorização da família. Sem querermos nos posicionar como donos da razão, passamos à reflexão de nossos casuais leitores: a grande mídia cumpre ou vem cumprindo o seu papel legal?
Assistimos perplexos aos apresentadores de programas policiais se transformarem em propagadores da linha política das emissoras e se entregarem à triste tentativa de capturar movimentos embrionários e desprovidos de horizontes definidos para inflar e dar poder de fogo aos interesses de seus patrões. Ou seja, tem muito mais braços segurando rojões, pedras, bombas caseiras e pedaços de pau que as mãos dos participantes de “ajuntamentos” marcados através das redes sociais virtuais.
Em muitos casos, a exposição de motivos e argumentos não desfaz a perplexidade diante da realidade. Temos, por exemplo, as articulações contra a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, que tem a idêntica e tresloucada ação de se bancar campanha contrária ao Carnaval no Rio de Janeiro e em Salvador, em nome da moral e dos bons costumes. Outra questão que paira no ar é a indagação sobre em que lugar estava o grupo contrário à realização da Copa quando o Brasil lutava com todo o empenho para ser a nação escolhida? E como esconder o sucesso antecipado da venda de ingresso para os jogos, que segundo os levantamentos da Fifa é o maior da história?
O mundo que nos tem como o país do futebol deve estar, e com toda a razão, meio atônito com o violento comportamento, tão antagônico quanto ambíguo, que serve apenas para firmar o predomínio da paisagem surrealista que, socialmente, nos rodeia, além de materializar ainda mais profundamente a sentença atribuída ao famoso ex-presidente francês De Gaulle: “O Brasil não é um país sério”.
Constatamos a existência de certo aborrecimento com as exigências da Fifa em torno da construção dos estádios, aos quais chamam de arenas. Porém, em nome do bom senso, devemos tomar o procedimento dos dirigentes do futebol mundial como uma espécie de proveitoso ensinamento e talvez o maior legado da realização da Copa no Brasil. E, assim, a partir de agora, quando o governo falar em construção de escola, de hospital, de estrada, ou de qualquer outra obra de engenharia de atendimento ao público, compete-nos a movimentação de toda a sociedade em prol da exigência de que o empreendimento seja dentro do “padrão Fifa”.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
24 de fevereiro de 2014.