Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                                                    Carlos Lúcio Gontijo

 

Aprendemos com a carreira jornalística e a labuta literária efetiva, que nos levou à edição de 13 livros, que o trabalho de criação de texto sempre é para-raios de admiração, inveja e censura. Habitamos um país de muitos autores inéditos, de poucos leitores e de custos gráficos elevadíssimos, o que determina a edição restrita de livros de literatura, que são vistos pela população prisioneira da cultura da imagem como um estorvo, à medida que têm o poder de retirá-la de sua zona de conforto e levá-la à reflexão sobre sua verdadeira situação.

Trabalhamos no jornal DIÁRIO DA TARDE durante 30 anos, onde exercemos as atividades de revisor, supervisor de revisão, secretário de página, subeditor e editor de Opinião, além de articulista com artigo publicado às quintas-feiras. E foi assim, no exercício de registrar nosso pensamento, que recebemos punição de 60 dias, por artigo publicado em 1º de outubro de 1998, sob o título de O “Príncipe Quiabão”, no qual criticávamos a administração escorregadia do governo Fernando Henrique Cardoso. Naquela ocasião, só não fomos demitidos porque o editor-geral, em gesto de respeito e consideração, observando que o presidente dos Diários Associados mandava punir o colaborador Carlos Lúcio Gontijo, optou por não revelar a nossa condição de funcionário contratado pelo jornal há 21 anos.

A inesperada suspensão nos veio como uma punhalada e, para aumentar nosso espanto e tristeza, o tal presidente dos Associados, que morava em Brasília/DF, viajou a Belo Horizonte no sábado daquela nefasta semana para proferir palestra sobre jornalismo e liberdade de imprensa. À época, suportamos a nossa dor absolutamente calados, aceitando o ato autoritário como uma espécie de ossos do ofício. Não tínhamos mesmo o que fazer nem a quem recorrermos, uma vez que logo percebemos que muitos companheiros, inconfessavelmente, pensavam: bem-feito quem mandou se meter a besta de opinar… Era a indiferença em momento de regozijo diante do nosso infortúnio e nós resolvemos não alimentá-la, pois tanto na vida quanto no jornalismo peixe magro esperneia sozinho.

Pequenos e grandes jornais não apenas cometem como também são constantemente alvos de censura, pois ou estão oprimidos por questões econômicas ou estão sob as amarras de interesses altamente sigilosos e comprometedores. Enfim, apreendemos e absorvemos, por intermédio do jornalismo e da literatura, que vários são os algozes de quem se manifesta por intermédio da palavra escrita: uns se nos apresentam como nossos inimigos porque não gostam do que escrevemos, outros porque se deixam levar pelo sentimento de inveja. Isso sem falar daqueles que veem a atividade de escriba como um ponto de referência e status, resolvendo exercê-la sob o exclusivo desejo de fazer parte do meio cultural, afinal qualquer pessoa detentora de mediana inteligência é capaz de redigir um texto e até mesmo escrever um poema – o problema todo se resume à qualidade de sua criação.

 

É por essas e outras que muitas vezes nos deparamos com artigos ruins, poesias desprovidas de qualquer beleza metafórica e enredos vazios… O que ao final termina por misturar joio e trigo no mesmo pedestal intelectual erguido por academias de letras Brasil afora, pois hoje o que menos importa são o talento, o estilo e a obra. Não há nada que não possa ser arranjado através de boa conversa e bem engendrada política de marketing pessoal.

 

Fomos censurados em governo comandado pelo então “príncipe dos sociólogos”, um professor e escritor, sob a recomendação de que o ato de crítica à administração FHC não se repetisse, segundo ratificava a explícita transmissão de ferina análise do presidente Associado: “Os colaboradores não suportam ficar sem escrever, eles precisam de espaço jornalístico para publicar seus artigos e, quando punidos, voltam dispostos a seguir as normas” (ao retornamos à página de Opinião, escrevemos, logo de início, um artigo sob o título “A igreja dos neoliberais é outra”). E para completar, à saída, tapinhas nas costas: “Precisamos tratar com carinho o Fernando Henrique, que tem sido muito $cordial$ com a imprensa”. Fui embora para casa com a inarredável certeza de que, mesmo em regimes tidos como democráticos, é no enxundioso e truculento ninho do poder que se eclodem os ovos ditatoriais da censura.

 

Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br