Carlos Lúcio Gontijo
A dissimulação que tanto nos incomoda está enraizada no meio político feito carne e unha. Ali o abraço pode ser desabraço e o elogio aparente muitas vezes tem o efeito de crítica pública. Observamos, ao longo dos anos, que são os amigos que levam alguém a ser candidato e, mais tarde, são os inimigos que, surpreendentemente, não lhe admitem a saída.
Sabemos que a política é necessária e que o regime democrático, apesar dos pesares, permanece insubstituível, pois a humanidade ainda não conseguiu inventar coisa melhor. Fala-se muito que o povo não sabe votar, mas a realidade é que os candidatos a cargos de mando político saem da mesma sociedade acostumada a exercitar jogo de influência em seus relacionamentos, fazendo da convivência social uma grande praça pública de troca de favores, onde cada pessoa vale o que tem a oferecer, ou faz parecer possuir aos olhos dos que a rodeiam.
Miguel Gontijo, grande artista plástico nascido em Santo Antônio do Monte, cidade incrustada entre as montanhas de Minas Gerais, é autor de livro intitulado “Pintura Contaminada”, passando-nos a explícita tese de que tudo é à medida que deixa de ser. No caso específico da política, o candidato, antes de ter seu nome inserido no processo de escolha pelo eleitorado, já está contaminado pelos conchavos e acordos, alguns escusos e inconfessáveis. E assim, quando eleito, já não é o que era e, infelizmente, somente é candidato eleito por ter deixado de ser, ao ser contaminado pelas regras erigidas pelas hostes políticas, que impõem determinadas vestes, que mesmo rotas e gastas pelo tempo são vistas e louvadas como dourado pálio. O rei se nos apresenta na nudez plena do que era, mas muito bem vestido e tratado com as mensuras e toda subserviência pelos que lhe servem e, ao mesmo tempo, por conveniência e sobrevivência, não se afastam dos que se opõem ao seu poder, pois o dia de amanhã, mais que a Deus, pertence ao futuro mandatário, que assumirá o divino poder dos reis, legitimamente adquirido e ungido pelas urnas democráticas do voto universal.
As coxias da política dizem mais que o seu palco, onde tudo é luz e cheira a talco, então sinônimo de maquiagem. O mesmo mandatário que dá murro na mesa e fala grosso em reuniões abertas é quem se rende aos tais seguidores de palanque e circunstância, abrangendo gente de toda a espécie e tipo, do âmbito familiar até pessoas de caráter no mínimo duvidoso, mas que obtêm uma boquinha remunerada, que antes do computador se notava pelo cruzar de braços e hoje pode ser constatada na turma dos “facebokistas”, que consegue a proeza de passar horas a fio, improdutivamente, em frente à tela de um computador.
A sociedade na maioria das vezes se permite guiar pelo noticiário dos meios de comunicação, que por seu turno fazem pesado jogo junto aos cofres públicos à procura de recursos publicitários, pelos quais distorcem e editam fatos, cientes de que a verdade é tragada pela versão exaustivamente repetida, transformando-se em realidade propagada e recriada nas redes sociais da comunicação virtual.
Lamentavelmente, cada agente político se incumbe, ao seu tempo, em promover as distorções necessárias e turvar as águas para fingir profundidade. Hoje, o grupo político que agiu para transformar a Petrobrás em “Petrobrax” e colocá-la em mãos estrangeiras se nos apresenta como paladino da justiça e alardeia aos quatro ventos e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) o heroico nacionalismo.
Todavia, não cometemos a irresponsabilidade de nos voltarmos contra a democracia nem nos perfilamos junto aos que se movem na direção de campanhas de cunho moralista, uma vez que os límpidos discursos em defesa da moralidade costumam chafurdar no lodaçal de trama golpista, visivelmente desprovida de todo e qualquer pudor, não se eximindo sequer de tornar bem-intencionadas procissões em diabólico componente de sua luta pelo poder. Caro e difícil é o regime democrático, requerendo participação popular, escolha de políticos pelo voto e constante vigília sobre a conduta dos eleitos, mas tem gente que não quer saber de nada disso, preferindo a mão firme de uma ditadura, na qual os desmandos ocorrem sob o silêncio de meios de comunicação censurados, onde os sonhos coletivos e os voos de cada cidadão são substituídos por alguma marcha de comando social ou, mais modernamente falando, um autoritário controle remoto.
Carlos Lúcio Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
30 de abril de 2014.