Quando quero contar sobre mim, são livros o que conto!

                                                   Carlos Lúcio Gontijo

 

Artística e predestinadamente, os poetas e pintores descrevem ou desenham o mar e nós escutamos a brisa e o vento movimentando as marés. Os políticos discursam sobre os oceanos e percebemos o naufrágio das embarcações.

Hoje, assistindo ao sucesso do livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr. (A privataria tucana), versando sobre a escandalosa e abrupta onda de venda de estatais, que só poderia desaguar em ignóbil assalto aos cofres públicos, vem-nos a lembrança de que, em 1998, devido à publicação de um artigo intitulado O príncipe “Quiabão” (numa alusão ao “Sítio do pica-pau-amarelo”, aquele habitado pelo Visconde de Sabugosa, então visitado por uma figura esperta e escorregadia), na edição de 1º de outubro do jornal “Diário da Tarde”, que foi até a sua extinção líder de venda em bancas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, fomos democraticamente suspensos por 60 dias. Ou seja, durante 60 dias e mais 30 por nossa conta, ficamos sem escrever nossa coluna, que saía às quintas-feiras.

Tivemos a sorte de não sermos demitidos, o que não ocorreu porque a direção dos Associados em Brasília desconhecia que éramos funcionários da “casa” desde 1977. Mandaram suspender o “colaborador” e dessa maneira agiu o editor geral, protegendo-nos e, ao mesmo tempo dando o recado dos patrões: “Precisamos ter carinho com o Fernando Henrique Cardoso”.

Já àquele tempo, tecíamos alguns comentários a respeito da imprensa transformada em partido político, que inacreditavelmente anda fingindo que as denúncias, fartamente documentadas, contidas no livro do jornalista Amaury Ribeiro, o mais procurado nas livrarias, não existem de fato, apesar de José Serra e seu clã familiar e político não terem, ao que parece, como se defender das mesmas. A imprensa, metida em partidarismo doentio e radical, se tornou antidemocrática e seletiva e, explicitamente, perante os olhos do povo prova que, em suas páginas vazias de liberdade de expressão, o pau que dá em Chico, no Francisco aliado não dá de jeito algum.

Há 14 anos, dizíamos, naquele fatídico e supracitado artigo, que matéria divulgada pelo jornal inglês “The Daily Telegraf”, tratando do quadro eleitoral brasileiro, se nos revelava bastante verdadeira, ao analisar a flagrante desproporcionalidade dos espaços reservados à cobertura política pela imprensa nacional. Escreveram os jornalistas ingleses, àquela época, que “a Rede Globo, em especial, e a imprensa brasileira de forma geral apoiam a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e ajudam a manter a maioria dos brasileiros no escuro”.

De lá para cá nada mudou, temos uma imprensa que perdeu o monopólio do noticiário para a internet – que a desmente a todo o instante – e está longe de servir de contraponto até mesmo para a balbúrdia de conteúdo veiculado pelos modernos meios virtuais. Ou seja, a mídia tradicional perdeu a credibilidade, passou a lutar pelos seus interesses (como qualquer outro segmento comercial), perdeu o posto de quarto poder e se distanciou dos anseios do povo, aproximando-se de atualíssimo e profético verso de Raul Seixas: “Eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”.

Como afirmamos na abertura deste artigo, nossas autoridades constituídas se esmeram em sua capacidade de ampliar o caos criado por suas ações, não é à toa que Jader Barbalho, no apagar das luzes do ano de 2011, driblou a propalada “lei da ficha limpa” e, sujamente, sob as bênçãos da Justiça acima de qualquer suspeita e competente mecanismo de controle, tomou posse no Senado, como se nada houvesse ocorrido.

Tudo normal e não devemos mesmo nos surpreender, pois quem deve ter ficha limpa no Brasil são os cidadãos das camadas mais pobres, que têm no comportamento correto a certidão de sua existência. Ao passo que as elites dirigentes e os poderosos se nos apresentam com a âncora da conta bancária e da riqueza material que lhes garante salvo-conduto para o que der e vier, livrando-os da prisão e das algemas, quando casualmente pegos com a boca na botija dos cofres públicos.

 

Carlos Lúcio Gontijo

Poeta, escritor e jornalista

www.carlosluciogontijo.jor.br